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sábado, 28 de janeiro de 2012

FESTIVAL DE FÉRIAS - A NOIVA CADÁVER

Filmes sobre almas de outro mundo e cadáveres que saem de suas tumbas para voltar ao mundo dos vivos são coisas para adultos. Bem, para Tim Burton isso não é verdade e tais criaturas apavorantes podem tranquilamente habitar o imaginário infantil. Conhecido pela sua excentricidade e adoração ao gótico, o cineasta imprime seu estilo em uma animação de stop-motion (aquela que anima bonecos quadro a quadro) e chama a atenção não só dos pequenos, que encontram a mistura ideal de humor e suspense que tanto curtem, mas também do público mais velho que se depara com uma história inteligente tingida praticamente de tonalidades escuras e frias. A Noiva Cadáver (2005) é baseado em um conto do século 19 do folclore russo e deixa explícito no seu visual as diferenças entre o mundo dos vivos e o dos mortos, ou seja, o cenário ideal para o diretor deitar e rolar.


A narrativa gira em torno do franzino Victor Van Dort, um rapaz atrapalhado e muito inseguro que deseja se casar com Victoria Everglot, uma jovem de famíia tradicional e que é tão tímida quanto o noivo. Na realidade, as famílias de ambos é que fazem mais questão desta união arranjada. As duas estão em decadência e enxergam a solução para seus problemas financeiros neste casamento, pois cada uma acredita que a outra é muito rica. Sem estes pensamentos egoístas, os jovens realmente se apaixonam, mas Victor coloca tudo a perder quando ensaia seus votos de casamento em um local afastado da cidade. Muito azarado, ele acaba fazendo sua declaração próximo onde repousava o corpo de uma jovem que foi assassinada justamente no dia de seu casamento, assim não realizando seu grande sonho. A tal Noiva Cadáver, como é conhecida, então encasqueta que o rapaz deve cumprir seu juramento de amor eterno e se unir a ela. Relutante inicialmente, ele acaba conhecendo um mundo divertido junto aos mortos e surge a dúvida se ele deve abdicar de sua vida sem graça e aderir a um descanso eterno e feliz ou voltar e cumprir o desejo da família, que pode significar sua infelicidade e mais uma decepção para a noivinha pálida e gelada. Aliás, a defunta é uma super criação. Ao mesmo tempo em que é bizarra com seu corpo semi-decomposto, ela também é adorável e passa ares de melancolia e ingenuidade irresistíveis através de seus grandes olhos adornados por uma maquiagem chamativa.


Pela sinopse, fica claro que esse projeto é a cara de Burton e ele poderia perfeitamente ter o realizado com atores e cenários reais, mas sem dúvida a opção por uma animação tradicional e nostálgica caiu como uma luva neste caso. Na época os desenhos com tecnologia de ponta já estavam bombando e projetos como este surgiam como sopros de originalidade em meio a um cenário estagnado e habitado por personagens hiper ativos e sempre com uma piada na ponta da língua. Já neste delírio mórbido proposto pelo diretor de fantasias como Os Fantasmas se Divertem as coisas são diferentes. Existe um cuidado não só na criação dos personagens, mas também na condução da narrativa e na confecção do visual, o que difere a produção até hoje. A movimentação lenta dos personagens e as tonalidades escuras, em que predominam tons azulados e acinzentados, dão a tônica do início e das últimas sequências do filme, quando o foco está no mundo dos vivos. Já a realidade dos defuntos ganha cenários coloridos e os personagens movimentação com maior cadência. As semelhanças entre os dois mundos ficam por conta do uso de jogos de luz e sombra e os traços físicos exagerados dos seus habitantes. Essa intimidade de Burton com a técnica do stop-motion e o contraste entre dois mundos se deve ao fato dele também ser o responsável pela produção de O Estranho Mundo de Jack. Embora não o tenha dirigido, essa viagem pelo mundo do Natal e do Halloween guarda em cada fotograma suas marcas. E olha que isso ainda era no início da década de 1990. De lá para cá seu estilo fez escola e outros cineastas tentam copiá-lo.

Não é correto encobrir que o filme foi co-dirigido por Mike Johnson, provável pupilo do mestre e que deve seguir seus passos, mas é difícil não rotulá-lo, enquadrá-lo em uma grife. Tudo aqui é puro estilo Burton de fazer cinema, só falta sua assinatura no rodapé de cada cena. Até nas dublagens é impossível esquecê-lo, já que sua esposa e seu fiel parceiro de trabalho emprestam suas vozes na versão original para os protagonistas. Enquanto filmava A Fantástica Fábrica de Chocolate, o diretor aproveitava intervalos e finais de dia de filmagens para fazer hora extra e gravar os diálogos de Johnny Depp (Victor) e Helena Bonhan Carter (Noiva Cadáver). Sobrou até uma ponta para Christopher Lee dublar (o pastor Galswells). Além disso, por mais fantasiosos que seus trabalhos pareçam, sempre existe alguma crítica social implícita, sendo a mais habitual o tratamento dado aos seres que se sentem deslocados no meio em que vivem. Aqui ainda existe o acréscimo de discutir levemente a sociedade hipócrita de antigamente que preferia ter a todo custo o que não podia comprar ou ostentar um sobrenome famoso ou nobre do que assumir sua verdadeira face e manter a dignidade. Visto por esse viés, atualmente ainda temos adeptos desse pensamento ridículo e a crítica se faz contundente e necessária sobretudo para ensinar algo ao público infantil, embora muito provavelmente os adultos precisem decodificar tal mensagem primeiro. Alguns podem se ofender com a compreensão.


Aliando um roteiro enxuto e muito bom, personagens adoráveis, técnicas de animação que misturam nostalgia com toques de modernidade, trilha sonora excepcional, enfim tudo o que uma boa animação precisa, Burton consegue arrebatar o seu público de amanhã. Da mesma forma que as crianças que se encantaram quando pequenas ao verem Edward - Mãos de Tesoura tornaram-se seus fãs, com A Noiva Cadáver uma nova geração passa a se acostumar com o jeito bem humorado de lidar com esquisitices e mistérios do cineasta. Embora o desfecho não surpreenda, o conjunto todo é muito agradável e cumpre um dos papéis principais do cinema: fazer o público esquecer por algum tempo a cinzenta realidade embarcando em uma colorida fantasia. Esse efeito escapista está bem explícito aqui tingido com cores fortes e em prosa que exalta a vida, inclusive a que possivelmente existe após a morte. Aos que repudiam espiritismo e afins, não se preocupe, em nenhum momento você se sentirá pressionado a acreditar em nada, exceto que você deve viver o máximo em vida e como desejar.

Um comentário:

Luís disse...

Eu já me deparei várias vezes com esse filme e sempre me perguntei se eu devia ou não asssiti-lo - por serde Tim Burton, eu acho que seria extremamente válido, mas como eu não consigo lidar bem com animações - elas normalmente me cansam horrores -, eu acabo nunca assistindo, fico sempre esperando o "melhor momento".

Gostaria de sugerir um blog do qual eu façoparte pra você ler, chama "Um Oscar por Mês". Seria legal se você desse uma passada lá pra conhecer. O link é: http://umoscarpormes.blogspot.com/

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