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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

ESQUECERAM DE... ONDAS DO DESTINO

O cineasta dinamarquês Lars von Trier sempre que lança um filme gera polêmicas, críticas negativas ou elogios rasgados. Um fato curioso é que quando suas obras são lançadas em DVD elas se tornam cults e pouco tempo depois somem do mercado, virando objetos de sonhos de consumo de muitos cinéfilos. Foi assim com Dançando no Escuro, Dogville, Manderlay e Anticristo. O seu estilo é marcante por não fazer concessões e nem pensar em fins lucrativos, pelo menos não em um primeiro momento. Seus trabalhos geralmente expõem uma figura feminina incompreendida em destaque em meio a um ambiente onde os aspectos negativos do ser humano são realçados como mensagens diretas ou indiretas ao próprio espectador, que pode se ofender, não compreender ou encher a boca para dizer que amou um filme que não entendeu absolutamente nada. Confuso, agressivo, melancólico ou louco, o cinema de Trier é único e seu nome é um dos mais cultuados recente da história da sétima arte. O que pouca gente sabe é que o diretor também realizou uma obra nesse moldes que teve seu reconhecimento em sua época, mas que ficou esquecida nos tempos das fitas VHS. Ondas do Destino (1996) só pelo título já vende a idéia de um belo drama com toques de romance, mas é uma produção longe de ser piegas ou feita para agradar multidões. Muito pelo contrário.

O roteiro nos apresenta a Bess McNeill (Emily Watson), uma jovem que mora em um vilarejo na Escócia nos anos 70. Ela foi criada segundo os rígidos padrões da sociedade da época e do local e acaba de se casar com o dinamarquês Jan Nyman (Stellan Skarsgard). A família dela não conhece esse homem, mas tem esperanças de que ele possa acalmar os constantes surtos dela. Durante umas semanas de ausência do rapaz para trabalhar nas plataformas de petróleo, ela pede a Deus que ele volte logo, o que de realmente acontece, mas devido à um acidente que o deixa tetraplégico. Sentindo-se culpada, a moça se entrega as vontades do marido e faz qualquer coisa que o faça ficar melhor, porém, estranhamente, seu desejo é de que ela durma com outros homens e que lhe conte detalhes dessas relações. O novo comportamento dela escandaliza a cidade e logo a jovem começa a apresentar sinais acentuados de distúrbios mentais, além de ser renegada por onde passa. Há inclusive uma cena em que Bess está sendo apedrejada por um grupo de adolescentes e o padre da região a vê ferida no chão, mas prefere dar-lhe as costas como sinal de reprovação a suas atitudes.

Exposto o conteúdo da trama, não é difícil entender o porquê deste drama que tem tudo para levar platéias as lágrimas ser no fundo uma obra para poucos. O diretor divide esta história sobre a lenta e sofrida degeneração de uma mulher que é obrigada a renunciar ao seu amor contra a própria vontade em episódios de crescente tensão e dramaticidade. A grande questão do roteiro é confrontar a liberdade emocional de cada um com as amarras que a religião e a sociedade impõem. Para a protagonista, realizar os desejos do homem que ama, por mais estapafúrdios que pareçam, é o correto, mas a pressão externa que recebe é muito grande e acaba sendo canalizada em forma de uma doença, esta que na realidade só foi agravada, pois desde o início da projeção a câmera faz questão de focalizar expressões e trejeitos que denunciam seu estado diferente.


Trier colecionou prêmios com este trabalho, como o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, e levou a atriz Emily Watson a ser indicada ao Oscar. Apesar de sua personagem parecer ter atitudes amorais, talvez ela seja uma das raras pessoas com moral em sua pequena cidade, uma das poucas que não foi completamente corrompida pelas imposições e manipulações. Suas cenas conversando com Deus são uma interessante mistura de dramaticidade e humor em que a intérprete alcança momentos brilhantes. Já Stellan Skarsgard também dá conta do recado e consegue conquistar o público logo no início com um tipo forte e com certas liberdades, características que depois contrastam com a imobilidade e a tristeza do mesmo em outra etapa.

Para aumentar o clima de realismo e denúncia, o cineasta optou pelos ensinamentos do até hoje pouco compreendido Dogma 95, movimento cinematográfico que ampliou a exposição dos filmes independentes e cuja estética passa longe do crivo de grandes estúdios. Os movimentos de câmera nem sempre são perfeitos e podem beirar propositalmente o amadorismo, os cortes de cenas são bruscos e a fotografia e os cenários são os mais naturais possíveis. A produção talvez peque na duração, um tanto excessiva para uma narrativa que poderia ser mais enxuta. Porém, o final de Ondas do Destino é tão belo e simbólico que compensa todo o tempo gasto. Nos últimos minutos, o espectador tem a oportunidade reavaliar os julgamentos que fez dos personagens até então e pode tirar suas próprias conclusões. Seriam os conceitos religiosos decadentes ou o ser humano é quem realmente está se autodestruindo? A protagonista seria uma alma pecadora ou merecia mais respeito ao abdicar de suas vontades para trazer benefícios a alguém necessitado? Do jeito peculiar próprio de Trier essas questões e talvez tantas outras fiquem no ar para que cada um pense a respeito, mas é uma pena que este trabalho esteja indisponível no Brasil e quem sabe até em outras diversas partes do mundo. Um absurdo da era moderna. Pensa-se tanto em tecnologia, visual e sons arrasadores e esquece-se de que um filme precisa de história para valer a pena e se manter vivo na memória do público.

Um comentário:

renatocinema disse...

Parece o tipo de filme que amo assistir.

Sendo sincero, não conhecia e pretendo conseguir assisti-lo.


Valeu pela dica

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