
A obra fala sobre balé e é um projeto atípico na filmografia do diretor que na época não estava em uma fase muito inspirada, mesmo cerca de dois anos antes tendo recebido boas críticas e frequentando as premiações com Assassinato em Gosford Park. Misturando aulas de dança, ensaios, bastidores, a apresentação final e alinhavando algumas situações acerca da vida de uma das bailarinas, em uma primeira vez o filme pode parecer estranho e desinteressante. Porém, é um trabalho que merece respeito e deve ser considerado como uma audácia na vida profissional de Altman, trabalhando com um enredo que lembra a estrutura de filmes que fragmentam ao mesmo tempo em que unem as histórias de diversos personagens, algo que ele adora e manteve em toda a sua carreira. A diferença é que a dança, o espetáculo é elevado a categoria de protagonista.
A bailarina Ry (Neve Campbell) está ensaiando muito para um grande espetáculo de dança e quer agradar o diretor e líder da companhia, Alberto Antonelli (Malcom MacDowell), mais conhecido com Sr. A. Durante esse processo, a jovem se apaixona por Josh (James Franco), mas ao mesmo tempo em que o trabalho lhe trouxe um grande amor, sua dedicação extrema ao show a faz se distanciar dele. Bem resumidamente esta é a sinopse. O que chama a atenção neste projeto é a reverência à dança e como o diretor conseguiu transformar um fiapo de roteiro em uma história interessante, mesmo qua a maioria dos atores sejam na verdade bailarinos desconhecidos. Lembrando, é claro, que este é um produto para apreciação para um público seleto ou amante de artes e cultura.
Altman se uniu ao projeto com ele já encaminhado por Neve Campbell, que antes de ser atriz já se dedicava a carreira de bailarina. A idéia não parecia muito atrativa em termos de bilheteria, mas chamou a atenção do diretor a possibilidade de realizar um trabalho para um nicho de público específico ao retratar uma comunidade fechada. Assim, com sua câmera atenta e respeitosa, ele conseguiu seguir os passos dos dançarinos e acompanhar um pouco de suas desilusões e alegrias, mas sem deixar que os dramas de cada um tomassem conta do roteiro. A equipe filmada faz parte do grupo Jofrrey Ballet de Chicago. Talvez por não ter conhecimentos a respeito de dança, o cineasta optou em apresentar as sequências de ensaio de maneira quase informal e caseira e até nas cenas de diálogos nos deparamos com um tom comedido e melancólico. Isso ocorre pela opção da meta-linguagem, ou seja, ao mesmo tempo em que retrata um ambiente sem glamour, competitivo e no qual o sucesso de cada um parece estar além de seu máximo esforço, o filme em si é frio, silencioso e com emoções praticamente nulas. Para quem tem paciência em acompanhar este trabalho com jeito de documentário, a recompensa vem no final com um espetáculo belissimamente filmado, com música e efeitos sonoros adequados e rico em cores reforçadas pela iluminação de primeira.
Infelizmente, nem mesmo os críticos se entusiasmaram com esta obra e a classificaram como mediana ou não tiveram medo de dizer que ela é desinteressante e totalmente descartável. Para aqueles que esperam ver um filme consistente, realmente a opção não é válida. Já para quem tem massa encefálica e sensibilidade suficientes para ver beleza e sentido em pequenas cenas que parecem desconexas a princípio, mas que formam um conjunto satisfatório no final, excelente pedida. Altman simplesmente revela o clima ora perturbador ora agradável dos bastidores de um espetáculo que tem que resultar encantador para as platéias e é exatamente essas as sensações que o espectador do filme tem. O incômodo sentido até pouco mais da metade de projeção é substituído por deslumbramento quando os bailarinos estão dando o seu melhor no palco. Claro que não espere o teor dramático ou cenas apoteóticas de danças como vistas em Cisne Negro, mas bem que alguma distribuidora poderia ter aproveitado o sucesso deste candidato ao Oscar para relançar De Corpo e Alma, mais uma produção interessante esquecida no limbo cinematográfico, apesar de que, exposta a idéia e estrutura do longa, não é difícil entender o porquê dele ter passado na surdina quando lançado e não ter deixado saudades ou marcas profundas. É a velha questão: a demanda é que dita a oferta.
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