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terça-feira, 25 de outubro de 2011

DE OLHOS BEM ABERTOS


 
Algumas obras marcam época, mas ficam no imaginário coletivo em tom de nostalgia, porém, outras permanecem vivas por causa dos temas e conflitos que expõem e que continuam em evidência mesmo muito tempo depois do seu lançamento. Em 1971, o cineasta Stanley Kubrick surpreendeu o mundo com um trabalho violento e chocante, um contundente e perturbador retrato de uma sociedade que vive em uma época não identificada, porém muito próxima do que se vivia naquela década, na seguinte e até hoje em dia quando os povos de todo o mundo parecem viver o ápice do individualismo, do egoísmo e da avareza. Laranja Mecânica é fruto de uma mente genial e criativa que conseguiu construir uma obra atemporal cuja mensagem consegue perfeitamente ecoar por anos e anos e ainda com fôlego para ser perpetuada por outros tantos. Claro que a percepção deste clássico na atualidade é bem diferente, os tempos são outros. Após tantos filmes que exploraram o filão de mortes com requintes de crueldade e atrocidades contra seres humanos e animais, talvez a obra não se revele tão impactante. Isso se você for um espectador desligado. Para quem curte cinema de verdade e tem sensibilidade suficiente para dissecar as almas dos personagens, este filme é um prato cheio. Não a toa é um título muito recomendado por profissionais do ramo da psicologia, sociologia, filosofia, enfim praticamente de todas as áreas humanas de atuação. A violência dá a tônica desta produção tanto de forma física quanto psicológica e não espere um final ameno. Ambientado na Inglaterra em um futuro indeterminado, talvez a própria expectativa do que seriam os primeiros anos do século 21, o filme acompanha o cotidiano questionável do jovem Alexander DeLarge, vivido com vontade e perfeição por Malcolm McDowell, com um olhar de frieza que chega ora a intimidar e ora a suscitar o ódio no espectador. O rapaz aparentemente é um apreciador das artes, bem de vida e muito inteligente, já que um de seus hobbies favoritos é ouvir músicas como as de Beethoven ou cantarolar a famosa composição "Singing in the Rain". Ao mesmo tempo, ele é adepto de práticas violentas, como estupros e furtos. Tais atos violentos ele comete com a ajuda de um grupo de baderneiros, os "droogs", do qual ele é o líder. Eles só se preocupam em se divertir e sentir prazer através de atos masoquistas cometidos com pessoas desconhecidas e inocentes. Situações próximas do que hoje chamamos de bullying misturadas ao simples fato desses jovens não terem o que fazer na vida. É a velha história de que quando está em grupo o adolescente se sente o maioral e faz o que quer, mas sozinho pode se revelar um medíocre que a qualquer momento pode passar a ser vítima. E é isso mesmo que acontece na história.

Alex parecia invencível, isso até que ele é traído por um de seus subordinados que sofreu uma agressão do próprio líder do bando ao afrontá-lo. Durante um assalto, ele é golpeado no rosto, fica cego temporariamente e isso permite a sua captura pela polícia. Por este episódio, Alex é sentenciado há quatorze anos de prisão já que ocasionou uma morte, mas ele cumpre apenas dois anos em regime fechado. Ele é liberado na condição de se submeter ao chamado "Tratamento Ludovico", uma terapia de aversão em fase de experimento desenvolvida pelo governo como estratégia para deter as ações criminosas. O procedimento consiste em presenciar cenas de extremas de violência, como assistir um filme com cenas fortes de agressões de diversos tipos. A terapia poderia ser um deleite para Alex se ele não estivesse sozinho nessa e por um detalhe: seus olhos estão abertos ininterruptamente com o auxílio de um par de ganchos, como é possível ver na cena em destaque, assim a sessão tortura é potencializada. Para completar, também recebe antes um soro, uma espécie de droga, para que consiga associar as ações violentas com a dor que estas lhe provocam mesmo apenas visualizando-as. Sem poder se defender e enlouquecendo com os efeitos do tratamento, o personagem entra a seguir em uma triste e angustiante jornada que eminentemente parece trilhar o caminho da tragédia. Ele fica sem casa, sem parentes, sem amigos e se depara com pessoas de seu passado agora controlando as situações, posição que antes ele ocupava. É a sociedade se vingando dos atos de Alex, mas Kubrick é habilidoso e conduz sua trama de maneira que o final não é o que a maioria deve esperar e obviamente não será revelado aqui. O espectador fica até em dúvida sobre qual conduta é mais desumana, se a do protagonista ou da sociedade que o recepciona. Assim ficamos com a indagação: Alex é mesmo um delinquente por natureza ou o meio em que vive o tornou assim? Afinal de contas, seus familiares, amigos e até mesmo membros ligados a política (sim ela também está metida na história) mostram-se tão monstruosos quanto o próprio Alex. Em tempos em que tantos crimes bárbaros ocorrem no trânsito, escolas, danceterias, mercados, enfim em qualquer canto de qualquer cidade, assistir Laranja Mecânica deveria ser um programa obrigatório a todos, principalmente para alunos de colégios e faculdades, tanto de instituições públicas ou privadas, já que esses jovens serão os alicerces do futuro e certamente não querem continuar convivendo com o crescimento da violência. Curiosidade: Kubrick encerrou sua carreira com o filme intitulado De Olhos Bem Fechados que não deixou saudades, mas uma de suas tantas cenas clássicas e impactantes é justamente um jovem com seus olhos grandes e muito claros bem abertos. Imagem perturbadora mesmo quando não se sabe nada a respeito de seu contexto. Obra de mestre.

Um comentário:

renatocinema disse...

Kubrick era gênio.

Alex representou, anos atrás, nossa sociedade de hoje.

Essa eterna pergunta de quem é mais desumano. Delinquente ou "governo" é genial. Somente mestres conseguem com tanta qualidade

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