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terça-feira, 17 de julho de 2012

FESTIVAL DE FÉRIAS - SOBRE MENINOS E LOBOS

Um filme que trabalha com temas espinhosos como assassinato, pedofilia e traição e que deseja manter a tensão em alta do início ao fim precisa obrigatoriamente conter tiroteios, sangue, cenas fortes, muito palavrão e quem sabe o ato corajoso de colocar um ator-mirim para dar mais credibilidade ao assunto do abuso sexual infantil. Bem, essa é a receita básica dos diretores que se aventuram no mundo do suspense, mas quem tem um currículo repleto de sucessos com certeza procura de todas as formas fugir do lugar comum e surpreender às avessas. Investindo em uma excepcional mescla dos gêneros drama e policial, Clint Eastwood construiu Sobre Meninos e Lobos (2003), um dos filmes mais comentados da temporada de premiações de 2004 sem precisar chocar o público com imagens, mas sim com um roteiro forte e interpretações idem. Lançado em uma época em que o cinema estava no auge da invasão de magos, duendes e outras criaturas fantásticas, obviamente este trabalho não fez fortuna e até hoje muitos não tiveram coragem em assisti-lo. Não é a toa que a carga pesada de sentimentos contida no enredo seja a grande marca desta obra, agindo de forma negativa e ao mesmo tempo positiva para a vida útil do mesmo. De qualquer jeito, este é um daqueles títulos que ficam martelando em nossa cabeça até que arriscamos a sobreviver a esta imersão triste e angustiante proporcionada por um filme reflexivo e relativamente de difícil digestão.  

A história começa em Boston, nos EUA, em meados dos anos 70 quando certo dia três crianças foram flagradas em meio a uma travessura por dois homens que se apresentaram como policiais. Um deles foi levado pela dupla sem que os outros interviessem por ele. O problema é que esse passeio forçado não era um castigo até que um dos responsáveis pelo garoto fosse buscá-lo, mas sim um sequestro no qual a vítima foi abusada sexualmente por vários dias. Cerca de três décadas mais tarde o destino acaba por unir os três jovens que agora são chefes de família e que há anos não mantinham contato próximo, apenas cumprimentos à distância. Katie (Emmy Rossum), a filha de Jimmy Markum (Sean Penn), está desaparecida e existem suspeitas de que ela pode ser a jovem encontrada morta em um barranco. Quem comanda as investigações é Sean Devine (Kevin Bacon), um dos meninos que escapou do abuso, que pouco a pouco chega a evidências que o levam a suspeitar do antigo amigo Dave Boyle (Tim Robbins), um homem amargurado que jamais se recuperou do trauma de infância. Portanto, mais um fato doloroso marcará a vida destes três homens que terão que enfrentar o passado para encarar o presente com maturidade, contudo, não é apenas Boyle que leva uma vida suspeita. Markum é um comerciante que tenta levar uma vida normal, mas tem um passado criminoso, ainda não está totalmente livre destas amarras e parece disposto a fazer justiça com as próprias mãos.
                                                                            
                                         
A partir deste reencontro forçado pelo destino, algo que felizmente não demora a acontecer, várias situações começam a surgir para revelar um pouco mais sobre a personalidade e a vida de cada um destes homens misteriosos e o espectador a essa altura já está fisgado e curioso para saber como a trama irá se desenrolar, principalmente porque algumas coisas ficam bem claras para o espectador bem antes do final, mas para os envolvidos na trama não. Ficamos então na tensão de sabermos a verdade sobre o caso da morte de Katie, mas nada podemos fazer a não ser acompanhar os caminhos tortuosos que os personagens seguirão até o desfecho que, diga-se de passagem, seria bem melhor se fosse encurtado. Não cabe revelar como tudo acaba, mas digamos que Eastwood perdeu a chance de fechar com chave de ouro uma obra excepcional, de forma a deixar para o espectador tirar a conclusão definitiva sobre o futuro dos personagens. Completando o elenco temos Laurence Fishburne como outro policial que participa das investigações e Marcia Gay Harden e Laura Linney dando vida a Celeste e Annabeth, respectivamente as esposas de Boyle e Markum. Devine também é casado, mas durante todo o longa ele sofre com o abandono da mulher, um gancho pouco explorado pelo enredo. Eastwood, como bom ator que é, sabe bem o quanto é infeliz um intérprete que é mal aproveitado e por isso ele distribuiu entre todo o elenco personagens fortes e com importância, assim as presenças femininas não são meros enfeites em um longa que poderia exalar testosterona e descambar para o velho clichê das perseguições e tiros para tudo quanto é lado. Celeste se destaca graças ao conflito que vive com o marido, o que lhe gera dúvidas, angustias e insatisfação com o casamento. Já Annabeth é uma mulher que aparentemente é apática e não tem grandes momentos, o que talvez levou o diretor a dar a tal esticadinha no final para garantir uma sequência digna à personagem e que nos faz entender sua importância na vida de Markum.

Se as mulheres estão aqui para dar um “respiro” à obra, não há como negar que é na ala masculina que o bicho pega e onde os diálogos mais arrepiantes se encontram. Penn antigamente se mostrava avesso as premiações, mas desta vez não teve como escapar de comparecer na festa do Oscar, pois muito antes da lista de indicados ser divulgada seu nome já era dado como o dono da estatueta. No papel que assume aqui, o ator precisou trabalhar com diversas nuances para transformar seu personagem crível. Em sua interpretação está uma das grandes surpresas da trama. Inicialmente ele parece um desesperado pai de família sofrendo com a morte de um dos filhos, mas quando descobrimos o seu passado criminal aliado a seu comportamento já começamos a ter dúvidas a respeito de sua redenção. Tão bom quanto ele está Robbins como um adulto perturbado pelas lembranças tristes da infância que ora nos faz sentir sua amargura e ora nos faz sentir repulsa conforme algumas dúvidas vão sendo levantadas a respeito de suas atividades na noite do assassinato de Katie. Os dois atores estão estupendos e só vendo suas atuações para compreender porque suas inscrições a prêmios foram classificadas como ator principal para Penn e coadjuvante para Robbins, uma tática boa do estúdio que apostou no talento de dois grandes astros. Se houvesse duelo entre os dois em uma mesma categoria certamente estariam sendo feitas grandes injustiças, afinal um sairia das festas de mãos vazias. Quem ficou de fora da badalação foi Bacon que talvez nunca tenha sido reconhecido como um bom profissional, mas não por falta de talento e sim por escolher (ou ser obrigado) a aceitar roteiros tolos. Talvez por viver o investigador do caso sem ter a tira-colo um segundo conflito bem trabalhado, seu papel pode parecer diminuto perto dos companheiros de elenco, mas ele o interpreta com competência. A relação entre os três ex-amigos exala desconfiança e raiva, mas talvez em suas atitudes, por mais controversas que possam parecer, pode ser que o amor e o desejo de justiça as motivem.


O roteirista Brian Helgeland, que foi bastante premiado pelo enredo de L. A. – Cidade Proibida, conduziu muito bem a adaptação do livro “Mystic River” (título original do filme), escrito por Dennis Lhane, de modo que o espectador que gosta realmente de um bom filme não conseguirá desgrudar os olhos da tela, mesmo quando antecipadamente já desata por conta própria alguns dos nós da trama. O grande tema deste trabalho é fazer uma crítica à banalização da violência, seja pela pedofilia, assassinatos ou, a pior de todas, recorrer a um ato criminoso para fazer justiça com as próprias mãos, ou seja, um círculo vicioso no qual o “justiceiro” é tão torpe quanto o próprio algoz. Em tempos em que a sociedade está sem parâmetros de valores morais ou você coloca uma pedra em cima de um assunto doloroso ou passará a nutrir um mal dentro de si mesmo com qual dificilmente alguém sabe lidar de maneira pacífica. Sobre Meninos e Lobos fala da explosão destes sentimentos negativos, seja com uma arma em punho ou simplesmente através de palavras, e como tais ações podem machucar amigos, parentes, desconhecidos e, principalmente, ao próprio autor do crime. Tingindo seu trabalho de tons azulados e acinzentados, reforçando a melancolia presente na produção e que atinge em cheio ao público, Eastwood provou mais uma vez não ter medo de ser criticado ou de repulsas e presenteou o mundo com uma obra visceral onde não há vilões e mocinhos, tampouco o bem e o mal, mas sim personagens e situações críveis que retratam um pouco da vulnerabilidade a que estamos expostos. Final feliz aqui? Pode até existir, mas tudo dependerá do ponto de vista.

Um comentário:

Rafael W. disse...

Foi o meu primeiro Eastwood, e até hoje ele consegue me impactar e emocionar como poucos filmes o fazem.

http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/

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