Hoje em dia, as humilhações vividas por qualquer um em seu ambiente escolar, profissional, familiar ou até mesmo na rua estão no foco dos noticiários e debates em diversas instituições. Qualquer deslize ou algo diferente em seu aspecto físico pode virar alvo de chacota. Inicialmente pode até ser divertida a brincadeira, mas conforme ela se torna constante e ofensiva pode se transformar em um ato criminoso, o popular bullying, palavra estrangeira empregada para denominar tais práticas provenientes de pessoas sem o mínimo de respeito ao seu semelhante. Porém, o problema não é uma novidade do mundo moderno. Sem o título americano, esse inconveniente já ocorre há muitos anos, talvez desde os primórdios do homem na Terra, e é um conflito muito explorado pelo cinema, enfocando na maioria das vezes o público infantil, faixa etária em que a discriminação acontece em proporções assustadoras. Tal tema foi utilizado com sucesso na animação Dumbo, uma produção de Walt Disney lançada em 1941 e baseada na obra homônima de Helen Aberson e Harold Perl. Este é o quarto longa de animação do estúdio e é considerado um dos maiores clássicos do gênero de todos os tempos, tanto é que foi relançado em cinemas e em home vídeo diversas vezes, já que seu conteúdo é universal e atemporal. É impossível encontrar alguém que pelo menos uma vez na vida não se sentiu excluído. A história gira em torno de um elefantinho chamado Jumbo Jr. que, além de nascer com orelhas desproporcionais ao seu corpo, tem a fama de ser desengonçado, por isso ele recebeu o apelido de Dumbo, palavra que em inglês significa estúpido. Vivendo desde pequeno em um circo, ele sempre foi ridicularizado pelos outros elefantes que levavam a sério a frase da canção "um elefante incomoda muita gente", mas tudo por pura maldade. Dumbo só contava com o amor e carinho de sua mãe até que ele faz amizade com o prestativo ratinho Timóteo que vai ajudá-lo a enfrentar esses problemas e mostrar seu valor. Essa amizade é uma clara paródia ao medo que esses grandes mamíferos têm de roedores.
Desde o início, a animação conquista o espectador pegando fundo em seu emocional. É cheia de simplicidade e ingenuidade a entrega dos bebês feitas pelas famosas cegonhas. Depois não há como não se entristecer ao ver a mãe do elefantinho sendo mantida em cativeiro após se revoltar contra as outras elefantas que ridicularizaram seu filhote ou ao vê-lo sozinho em seu alojamento. Ainda somos brindados, graças a uma bebedeira acidental por champagne, com uma belíssima sequência em que imagem e trilha sonora casam com perfeição ao melhor estilo Fantasia lançado um ano antes. Mas certamente uma das sequências mais lembradas é a que se inicia a partir da foto em destaque. Após inexplicavelmente acordar pendurado em galhos de uma árvore muito alta e ser arremessado por um bando de corvos, Dumbo descobre que suas enormes orelhas, até então motivo de vergonha, eram seu diferencial. Com elas poderia voar e assim é incentivado por Timóteo a voltar ao circo para participar de um número inédito: ele pularia de uma altura considerável e deveria cair em cima de uma cama elástica, porém, o espetáculo envolvia fogo, como se fosse um prédio em chamas, e o resultado final poderia ser catastrófico se o elefantinho não usasse sua coragem para evitar uma tragédia e ainda de quebra dar uma lição naqueles que um dia riram dele. Vencedor do prêmio de Melhor Design de Animação no Festival de Cannes e de Melhor Canção no Oscar, a animação foi lançada em pleno ápice da Segunda Guerra Mundial, época em que as pessoas não estavam obviamente no clima de alegria, e precisava recuperar o caixa do estúdio que havia gastado verdadeiras fortunas em outros projetos, como Pinóquio, mas sem retorno nas bilheterias. O jeito foi fazer um desenho simples e no estilo dos curtas-metragens, tanto é que a obra dura 65 minutos aproximadamente. A distribuidora, na época a RKO, pediu para que Disney revisse seus planos e transformasse o desenho em um curta, ou criasse sequências novas para aumentar a duração ou ainda lançasse como um filme B, assim entrando em cartaz em circuito reduzido. As idéias foram recusadas e Dumbo foi lançado em sua versão original como um filme normal. Não fez grandes fortunas, pois o famoso ataque a Pearl Harbor e a entrada dos EUA na guerra atrapalharam, mas devido ao baixo orçamento empregado, o saldo foi positivo, mesmo tendo um protagonista que não pronuncia uma única palavra, mas que conquista o público com seu carisma e inocência. Com um colorido estarrecedor, fruto de uma coloração feita a base de aquarela, personagens cativantes e história enxuta e eficiente, o longa prova que não é preciso gastar milhões para conseguir um resultado digno, mesmo quando se trata de uma animação. Como sempre, existem pessoas que não tem o que fazer e ficam procurando pêlo em ovo. Muitos afirmam e propagam a idéia de que o longa é prejudicial às crianças por incentivá-las a revidar quando são ridicularizadas, racismo implícito na presença dos corvos e até mesmo pelo fato do elefante poder voar. Se levarmos tudo a ferro e fogo assim não existiria cinema infantil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário