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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

ESQUECERAM DE... A VIÚVA DE SAINT-PIERRE

Se é tão comum lembrarmos-nos de filmes americanos sumidos do mercado brasileiro e até em outras tantas partes do mundo, é mais comum ainda descobrirmos que obras feitas nos demais continentes são frequentemente esquecidas. Mesmo hoje em dia que se percebe uma procura relevante por parte do público em busca de produções independentes, estrangeira ou mais intimistas, são raros os títulos que conseguem fixar seus nomes e ganhar vida longa, desde o seu lançamento nos cinemas até se manter como um produto rentável e com visibilidade em locadoras e lojas. A Viúva de Saint-Pierre (1999) é um longa francês que não foi um sucesso extraordinário em seu país natal, apesar de muito elogiado pela crítica européia, mas desembarcou em muitos países com status de cult e tendo suas primeiras exibições em festivais, como ocorreu no Brasil, cuja primeira aparição aconteceu na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A história se passa em 1849 na até então tranquila e pequena na ilha de St. Pierre, território francês perto da costa canadense. A calma do lugar é rompida quando dois bêbados, Ariel Neel Auguste (Emir Kusturica) e Louis Ollivier (Reynald Bouchard), matam de forma insensata Coupard (Michel Daigle), um morador do vilarejo. Ambos são sentenciados a morte, mas Ollivier, que tinha sido condenado a trabalhos forçados, morre em um acidente a caminho da prisão. Já o outro réu fica aguardando a chegada de uma guilhotina, pois a república exige que qualquer civil que tenha recebido a pena capital tem de ter a cabeça decepada. Além do instrumento de execução, também é necessário um carrasco, pois não há ninguém na ilha que queira exercer esta função. Enquanto aguarda que os problemas para sua execução sejam resolvidos, Auguste fica confinado em uma cela que é muito próxima da casa de Jean (Daniel Auteuil), o capitão que controla a polícia e o presídio. Logo sua companheira, Pauline (Juliette Binoche), também conhecida com Madame La, sente vontade de conhecer o prisioneiro e lhe pede que a ajude em fazer um jardim. Meses se passam e o condenado se torna um protegido do capitão e de sua esposa, que o tratam com generosidade. Em retribuição, ele executa serviços para eles e depois também para a comunidade, com Pauline sempre o guiando para o caminho da redenção. Ela vê muito potencial neste homem aparentemente rude e também o incentiva a estudar. Porém os homens da pequena elite francesa que governa o lugar criticam o apoio que o casal oferece ao réu, este que logo se torna uma pessoa popular entre os mais simples. Isto enfurece as autoridades e faz com que o governador da ilha não queira só executar Auguste, mas também que Jean seja castigado por sua benevolência com o prisioneiro.

O título original desta obra, felizmente traduzido à risca para o português, tem um duplo sentido, pois a palavra viúva em francês também pode significar guilhotina. O diretor deste drama épico, Patrice Leconte, se inspirou em alguns fatos reais para realizar esta obra que fala de amor, respeito, solidariedade e o direito a vida. O longa nos mostra que o período que separa a condenação e o momento de execução pode ser decisivo para a redenção e que uma pessoa pode ser salva e reabilitada a viver em sociedade de forma digna e prestativa. Deveria ser a lógica que regesse a vida de um condenado que vai parar na prisão, mesmo sabendo que depois de cumprida a pena seria libertado. O período de enclausuramento serviria para reflexão e aprender coisas boas e um ofício para quando fosse libertado, mas a realidade não é romântica como o filme, infelizmente.


Como o enredo se passa no século 19, o diretor teve uma atitude corajosa em trabalhar com um roteiro que trata de temas ímpares para a época, mas ainda bem que tem o cinema e a literatura para provar que muita coisa errada ou mal vista pela sociedade impregnada de falso moralismo existia por debaixo dos panos. Neste caso não se tratam de equívocos, mas sim das tais atitudes condenáveis. Além de ajudar um prisioneiro, o casal protagonista ainda vive ilegalmente, pois não são casados. A relação deles é baseada na admiração e confiança mútua e o marido não sente ciúmes da extrema dedicação da mulher com um estranho, mas sua conduta muda na segunda metade do filme quando ele é obrigado a ser mais enérgico tanto com a companheira quanto com seu protegido. Curiosamente, mesmo sendo uma história datada, Leconte conseguiu uma forma de aproximá-la da atualidade.

A escolha do elenco principal também foi fundamental para abrilhantar este trabalho. Juliette Binoche se entrega completamente ao papel de heroína, assim como Daniel Auteuil, um dos atores mais versáteis e que mais se dedica ao atualmente na França. A princípio seu personagem pode parecer passivo ao lado de sua mulher e que a qualquer momento pode ser traído, mas consegue defender suas crenças e valores morais até o fim. Vale destacar também a presença do diretor bósnio Emir Kusturica surpreendendo no papel do condenado, mostrando com perfeição a transição do homem rude e sem objetivos para o admirado e bem encaminhado. Leconte, com sua habilidade em trabalhar com as emoções dos personagens mescladas a enredos com conteúdo e panos de fundo históricos, transformou A Viúva de Saint-Pierre em uma bela obra de arte que deve agradar ao público mais intelectual e a quem goste de histórias humanas e com mensagens. Infelizmente, mais um grande filme vergonhosamente fora do mercado brasileiro e que quando lançado não recebeu o seu devido respeito.

2 comentários:

renatocinema disse...

Fiquei curioso. Como estudante de história acho que ficaria satisfeito com o filme.

Abraços

luh reynaud disse...

Parece mais legal do que imaginei...

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