Qualquer
filme que reúna em seus créditos o ator Johnny Depp e o diretor Tim Burton
automaticamente se torna um evento que coloca os fãs da dupla em êxtase, mas a
indicação de Sombras da Noite (2012) para curtir neste sabadão só se
justifica pelo fato de ser uma obra de puro escapismo. Assistiu, esqueceu em
seguida. Todo bom profissional falha e chegou a vez da dupla bizarra do cinema
dar sua escorregadela. O cineasta sempre surpreendeu pela maneira como
construiu fascinantes histórias colocando no centro das atenções personagens
esquisitos ou marginalizados. Também sempre acertou a mão ao misturar seu
estilo gótico ao lúdico e encontrou o parceiro perfeito para encarnar seus
devaneios na figura de Depp. Neste oitavo projeto em que trabalham juntos,
todos os ingredientes que deram certo em outras produções da grife foram
reaproveitados, porém, parece que o diretor se deixou levar pelo fascínio que o
material que tinha em mãos lhe exercia e perdeu o foco, criando um filme que se
vale muito mais pelo seu visual que sua narrativa por vezes enfadonha, ora
esquisita, ora empolgante, mas no fundo algo tipicamente saído da mente insana
e criativa de Burton.
O
título original, “Dark Shadows”, também era o nome de um seriado de TV
produzido de 1966 a 1971 no qual Burton baseou-se. A história roteirizada por
Seth Grahame-Smith e John August tem uma pequena introdução para compreendermos
o que ocorrera depois na década de 1970, mais precisamente em 1972, com um dos
descendentes da tradicional família Collins. Séculos atrás, Barnabas (Depp) e
sua noiva Josette Dupres (Bella Heathcote) foram amaldiçoados pela bruxa
Angelique Bouchard (Eva Green), esta que estava amargurada por não ter seu amor
correspondido pelo rapaz. Para se vingar ela mata a rival e transforma Barnabas
em vampiro. Acusado de crimes que não cometeu, ele é preso em uma tumba por
quase dois séculos e só desperta na agitada época das discotecas. Ele descobre
que a mansão de sua família é habitada agora por alguns de seus parentes de
sangue, mas existem muitos segredos e infelicidade entre eles. A casa está em
ruínas e Barnabas resolve recuperar as finanças e o prestígio de seu clã, ao
mesmo tempo em que tem a chance de reviver seu grande amor do passado, hoje na
pele da governanta Victoria Winters. Porém, Angelique também está na área e
disposta a atrapalhar os planos de seu desafeto.
A
família disfuncional e uma história de amor com inspiração vitoriana são temas
comuns na filmografia de Burton, mas não bastam imagens maravilhosas para
segurar um filme, é preciso ter um texto consistente e nesse quesito o cineasta
depende de bons roteiristas a sua disposição. August já é seu colaborador de
longa data, mas Smith estava estreando como roteirista de cinema e sofreu com
as pressões da correria das filmagens, as correções no roteiro feitas no
próprio set e principalmente para tentar condensar o universo de um seriado que
durou cinco anos em apenas duas horas, o que explica o vai e vem de núcleos e o
entra e sai de personagens, como as participações de Christopher Lee, uma lenda
do cinema de horror, e de Jonathan Frid, o intérprete original de Barnabas no
programa de TV. Aliás, curiosamente, o protagonista do longa demorou mais de
200 episódios para surgir na série, sendo criado para alavancar a audiência que
andava baixa. Mas voltando a falar dos problemas da narrativa, quando Barnabas
encontra seus descendentes parece que teremos pela frente um empolgante embate
de costumes, além é claro do óbvio estranhamento que lhe causaria o contraste
de ambientação confrontando o velho e o moderno (para os padrões da época), mas
o excesso de subtramas não deixa a espinha dorsal de o enredo fluir bem. Claro
que algumas piadas são muito boas envolvendo o ar aristocrático e romântico do
“mocinho” versus a expansividade conquistada pela geração dos anos 70, o que
implica em uma trilha sonora pontuada por sucessos da era disco e referências a
marcas de produtos que fizeram história, como uma brincadeira com o logotipo do
McDonald’s, mas no geral um sorriso amarelo deve dominar o espectador.
Com
o humor ácido presente bem mais nos diálogos do que em imagens, crítica e
público receberam de forma tímida esta produção. O fato de ser baseada em uma
série de TV que hoje em dia poucos ouviram falar, ao menos no Brasil, não é a
principal causa da repulsa. Como já dito, o retorno da dupla Burton e Depp já
seria o suficiente para garantir o sucesso, mas como a primeira impressão é a
que fica muitos que assistiram logo na estreia trataram de esfriar os ânimos
dos demais quanto as expectativas desta nova forma de ver a figura do vampiro.
Em tempos em que os dentuços conquistam as plateias femininas com discursos
melosos, o cineasta quis fazer a sua visão romântica deste monstro clássico.
Como sempre Depp se sai muito bem como o vampiro que se vê obrigado a cometer
atos cruéis contra a sua vontade, mas necessários para atender aos anseios de
sua condição de morto-vivo. Seu personagem é propositalmente estereotipado,
assim como todos os outros, um clichê comum até hoje nas séries de TV. O
problema é que o que funciona em um veículo, no outro deixa a desejar. Temos um
elenco talentoso se esforçando para deixar suas marcas em poucos minutos de
cena, como Michelle Pfeiffer e Helena Bonham Carter, mas no frigir dos ovos o
que acaba nos chamando a atenção é o visual extravagante de suas vestimentas e
dos cenários, sendo o mais utilizado o interior da mansão dos Collins. Por
outro lado, além de Depp, Eva Green também se sobressai com sua sedutora e
maquiavélica feiticeira.
Lembrando
o estilo das peças teatrais farsescas, onde o exagero e o confronto de
personagens são essenciais, e apostando em efeitos especiais tradicionais e
simples, Sombras da Noite poderia ser um trabalho que sintetizaria o
estilo Burton de fazer cinema, mas infelizmente o resultado não está à altura. Ora
voltando os holofotes para um personagem, ora para outro, depois construindo um
gancho interessante, mas logo o esquecendo de desenvolver, o calcanhar de
Aquiles desta produção é sem dúvida seu roteiro cheio de altos e baixos que
mais parece uma colagem de pequenas cenas escritas aleatoriamente que nos levam
a uma conclusão frustrante. Todavia, como puro divertimento, essa comédia de
humor negro até que funciona bem. Com o tempo, a obra tem chances de ser aquele
tipo de filme que você sabe que é ruim, mas ainda gosta dele. É difícil
descrever, mas para quem está acostumado as bizarrices de Burton sabe que um
trabalho seu nunca é totalmente desperdiçado e que certamente suas intenções
seriam as melhores possíveis. É uma pena que muitos diretores podem até
conseguir produzir filmes sozinhos ou ter certa autonomia nos projetos, mas
ainda dependam de grandes empresas para financiar filmagens e fazer a
distribuição dos mesmos, assim tendo que se sujeitarem as pressões para
resultados de bilheteria imediatos. Resultado neste caso: fracasso nos cinemas,
provavelmente fracasso em outras mídias. De qualquer forma, para um passatempo
indolor, vale uma espiada.
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