O cineasta Woody Allen, também ator,
escritor, produtor e até músico, há várias décadas está na estrada colecionando
fãs, desafetos, sucessos e fracassos. Com uma carreira marcada por obras
premiadas e elogiadas datadas dos anos 70 e 80, nos últimos anos as sombras dos
equívocos parecem persegui-lo. Lançando praticamente um filme por ano, passaram
a serem raros os momentos de brilhantismo de Allen que só viu sua fama
extrapolar limites com Ponto Final – Match Point (2005),
após anos de certo ostracismo. Seu nome sempre estampava algum cartaz ou capa
de DVD, mas foi uma única indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original, além
de menções em outras premiações, que fizeram este entusiasta das paisagens
urbanas americanas ressurgir na mídia. Um público novo e de idade jovem foi
instigado a conhecer mais sobre este profissional e se juntou aos antigos
apreciadores dos trabalhos do cineasta para aplaudir e elogiar uma obra que
definitivamente não parece ter sido feita por ele, destoando em muitos aspectos
de sua filmografia.
O público e produtores americanos há
anos vinham desprezando os trabalhos de Allen e tal falta de atenção certamente
se refletiu em suas obras drasticamente, a ponto que seu nome já não era o
bastante para gerar certa expectativa quando houvesse algum lançamento. Após Melinda e Melinda passar em brancas
nuvens, o cineasta teve dificuldades para conseguir financiamento para seu
próximo projeto e precisou romper com a tradição. Ao chegar à casa dos 70 anos
de idade, pela primeira vez ele filmou fora de Nova York e pelo visto gostou da
experiência tanto que a repetiu em futuras ocasiões explorando belíssimas
paisagens europeias. Londres foi o cenário eleito para contar a história de
Chris Wilton (Jonathan Rhys-Meyers), um jogador de tênis profissional que
decide abandonar as competições e se dedicar a dar aulas do esporte em um clube
frequentado pela elite. É lá que ele conhece Tom Hewett (Matthew Goode), um
jovem de família rica com quem ele faz amizade rapidamente. Convidado para ir a
uma apresentação de ópera, Wilton é apresentado à irmã de seu novo amigo, a
bela Chloe (Emily Mortimer), com quem ele passa a se relacionar. O futuro seria
bastante promissor para o esportista ao entrar para a família Hewett, mas quis
o destino que ele se apaixonasse por Nola (Scarlett Johansson), a noiva de Tom.
Ela corresponde a essa atração, mas também teme perder o status que alcançou
prestes a entrar em um tradicional e rico clã britânico.
O que vale mais: a riqueza ou o amor?
Ser infeliz, mas ter um nome de peso ou a felicidade mesmo em condições não tão
boas (embora Nola e Wilton estejam longe de serem pobres)? Allen faz a partir
desta trama relativamente simples uma crítica contundente à fria e fútil
aristocracia londrina. Talvez nem ele soubesse que com este trabalho ele
estaria dando um upgrade em sua carreira, dando literalmente um ponto final a
uma fase longa e ruim de sua vida profissional. Além da mudança de paisagem
para as filmagens, verificamos aqui uma feliz e bem-vinda forma de narrativa.
Com vários dos trabalhos do cineasta ficamos de olho no relógio para ver quanto
tempo falta para acabarem suas chatices, mas neste caso não. O espectador é
surpreendido por reviravoltas que apontam novos caminhos à trama e o fazem se
sentir aguçado a saber como tudo vai acabar. Os minutos finais nem parecem algo
saído da cabeça do diretor. Claro que o elenco ajuda e muito. Meyers constrói
um personagem sedutor e enigmático que prende atenção enquanto Scarlett seduz o
espectador sem muita dificuldade, além de mostrar não ser apenas um rostinho e
corpinho bonito.
Para muitos a trama pode parecer
típica de novelas de TV, alguns já traçam comparações com outro longa do
diretor, Crimes e Pecados, mas a
forma como o enredo é trabalhado faz toda a diferença. Entre citações a
Shakespeare e Dostoiévsky, frisando que a elite está no centro das atenções, Allen
aposta alto no drama, no clima sensual e apresenta as ironias sutilmente,
recheando sua obra com ingredientes de fácil aceitação pelo grande público,
como o desejo de ambição e até um crime. Sem atuar no longa e voltando ao
gênero dramático após mais de quinze anos de ausência, Allen mostra que está em
forma, com a mente criativa e antenado com o que está em evidência. Ele soube
captar elementos que conquistam a audiência e misturar com perfeição ao seu
estilo de fazer cinema, tanto que os créditos iniciais são inconfundíveis. Por outro
lado, seus longos e por vezes cansativos e confusos diálogos aqui são
substituídos por falas mais diretas, silêncios e olhares que são essenciais
para a construção de uma história atual e forte. A tradicional trilha sonora de
jazz também abre espaço para trágicas óperas.
Sendo um dos poucos títulos de grande
repercussão e bilheteria de Allen nos últimos tempos, Ponto Final – Match Point
é um tímido marco do cinema recente que infelizmente foi desprezado pela
Academia de Cinema de Hollywood, uma grande injustiça feita a um dos maiores
cineastas que já existiu. Já a aceitação do público e crítica atingiu ou até
superaram as expectativas. Seria um golpe de sorte? Bem, pelos resultados de
alguns títulos seguintes de Allen a resposta deve ser sim. Aliás, o tema sorte
no fundo é o grande foco de atenção desta produção, tanto é que na introdução
tudo já está explicitado em palavras e imagens. Através de um jogo de tênis e
com a narrativa em off do protagonista é esmiuçado rapidamente o conceito de
sorte e como ela pode agir positiva ou negativamente em nossas vidas. Para quem
decidir assistir pela primeira ou rever este grande filme pode ter certeza que
a sorte está do seu lado.
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