Qualquer pessoa que é realmente
apaixonada por cinema sabe que o estilo do diretor Tim Burton é inconfundível.
Adepto do estilo gótico, das fábulas e fantasias, cada novo trabalho seu se
transforma em um aguardado evento antes mesmo da estréia. Porém, ele está longe
de ser um Midas do cinema, nem tudo que faz se transforma em ouro como é o caso
de Peixe
Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003), um belíssimo filme que
mescla com perfeição realidade e fantasia em uma narrativa agradável e tocante.
Lançado em meio aos títulos concorrentes ao Oscar da temporada de 2004,
premiação na qual apenas concorreu como Melhor Trilha Sonora, o longa passou
despercebido, ainda que as críticas da imprensa em sua maioria deram parecer
positivo à produção. Assistir hoje em dia esta obra, além de ser imensamente
recompensador, nos mostra mais uma vez o quanto as premiações estão voltadas ao
comercial e cada vez menos para o lado artístico. Só assim para explicar a
rejeição da produção nos prêmios e consequentemente sua exposição prejudicada.
O enredo gira em torno das
aventuras vividas por Edward Bloom (Albert Finney), um idoso que adora contar
histórias de seu passado. Quando jovem, papel interpretado por Ewan McGregor,
ele saiu de sua pequena cidade localizada no Alabama para realizar o sonho de
dar uma volta ao mundo. Nesse período de andarilho, Edward visitou inúmeros
lugares, passou por situações inusitadas e conheceu os mais diversos tipos de
pessoas. Todos que ouviam estas histórias ficavam fascinados, menos o próprio
filho deste homem, Will (Billy Crudup), justamente por não suportar a mistura
de realidade e fantasia a qual seu pai estava submerso, motivo que o fez romper
relações com ele. Quando Edward está à beira da morte, sua esposa Sandra
(Jessica Lange) tenta reaproximar pai e filho, mas ainda Will guarda muitas
mágoas por jamais ter o conhecido da maneira que gostaria e crescendo duvidando
do seu caráter. Todavia, será que todas as histórias fantásticas do aventureiro
Ed, como gosta de ser chamado, são realmente contos no melhor estilo de
pescador? Aliás, é justamente com uma história de pescador que o longa começa e
brilhantemente justifica o título.
A trama roteirizada por John
August, baseado no livro de Daniel Wallace, se divide entre o passado e o
presente. Enquanto Will tenta compreender seu pai nos seus últimos momentos de
vida, as tais histórias fabulosas vão sendo relembradas pelo idoso e
acompanhamos tudo em flashback desde sua infância, momento crucial para
determinar o espírito aventureiro do jovem Ed, papel então vivido pelo
simpático ator-mirim Perry Walston. O motivo de ele não ter medo de se arriscar
e viver a vida intensamente tem uma explicação. Quando criança ele visitou uma
bruxa, papel de Helena Bonham Carter, que com seu olho de vidro revelava para a
pessoa a maneira como ela iria morrer e com que idade, assim Ed conseguiu
prever o quanto poderia aproveitar da vida. Conhecemos também outros
personagens excêntricos como o gigante Karl interpretado por Matthew McGregory,
um gigante na vida real por mais incrível que pareça, e o baixinho espertalhão Amos
Calloway, vivido por Danny DeVito, que explora a ingenuidade de Ed. Além de
tipos esquisitos, mas totalmente de acordo com a proposta do enredo, o protagonista
também passa pelos mais diferentes cenários. Brejo, campos floridos, região
isolada, campos de guerra e o circo, este último o local mais marcante do
longa, principalmente pelas belíssimas imagens que seu colorido proporciona.
Além de tudo isso, também temos uma bela história de amor entre o rapaz e sua
fiel companheira Sandra, que quando jovem é interpretada pela atriz Alison
Lohman.
Embora o uso da fantasia seja o
aspecto mais marcante desta obra, mostrando que Burton não vive apenas em um mundo
de cores escuras e sombras, mas também pode se locomover com perfeição entre
cores e luz solar, o cineasta não deixa de dar ênfase a difícil relação entre
pai e filho que vivem em mundos distintos. A reaproximação de Will e Ed é feito
aos poucos, sem pressa, exaltando sentimentos e poesia. Tamanha dedicação ao
tema também se deve muito ao momento que o cineasta passava na época. Ele havia
perdido seu pai recentemente e acabara de ter um filho, o que certamente lhe
inspirou. Todavia, a relação paterna apresentada no longa, embora carismática e
tocante, jamais chega a ter um ápice de verdade, assim como a própria vida de
Ed. Todos os causos contados são interessantes, divertem e emocionam, mas quase
nenhum deles é determinante para compreendermos os próximos passos deste
sonhador. Sua passagem pelo circo, como já dito, é a mais marcante visualmente,
mas também dramaturgicamente falando. É lá que ele começa sua história em busca
do amor que culminou em seu encontro com Sandra. Graças a essa relação nasceu
Will e graças a seu afastamento do pai é que temos um enredo para um belo
filme.
Muitos dizem que este trabalho apesar de bem realizado está abaixo do
padrão de outras produções de Burton. Seria por que neste caso ele pegou leve
com as bizarrices, deixou o gótico de lado e investiu descaradamente em emoção?
Bem, realmente a primeira vista não parece que estamos vendo um filme do
cineasta, inclusive porque seu fiel companheiro Johnny Depp não aparece nem
mesmo em uma ponta sequer. Todavia, Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
é um programão com pinta de cinema europeu, algo totalmente fora dos padrões de
Hollywood. Com um visual encantador, diga-se de passagem, com o mínimo possível
de efeitos especiais, personagens curiosos e cativantes e uma conclusão
emocionante que mescla literalmente realidade e fantasia, este filme cai como
uma luva para o período de festas de fim de ano e para reforçar os laços de
amizade e familiares. De quebra, somos brindados com mais um belo trabalho de
Burton provando que arte, conteúdo, emoção e criatividade de pessoas de verdade
ainda valem mais que nossa triste realidade atual quando som e imagens de
primeira, mas produzidos da maneira mais artificial possível, passaram a ocupar
o primeiro lugar de importância na hora de se escolher um filme.
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