É curioso que em meio ao deslumbramento que o 3D e demais
tecnologias de ponta despertam no público e em quem faz cinema, o Oscar 2012
teve como destaques obras que claramente homenageiam o passado da sétima arte.
Um deles foi Cavalo de Guerra (2011), uma produção que reúne diversas
características de obras épicas clássicas e westerns, além de elementos
inconfundíveis do diretor Steven Spielberg, mas que acabou dividindo opiniões.
O filme realmente é excelente, porém, perde pontos na hora das comparações pelo
fato de não trazer inovações e praticamente ser a súmula da filmografia do
cineasta que tem como tema recorrente em sua obra o duelo entre a imaginação e
a realidade, a inocência infantil e a seriedade exacerbada dos adultos. Entre
filmes de aventura, outros para emocionar de crianças à adultos e alguns
produtos mais pesados como os que enfocam guerras, Spielberg encontrou no livro
homônimo de Michael Mopurgo a maneira perfeita de reunir todas as referências
que pontuaram sua carreira, além de prestar uma bela homenagem ao cinema
resgatando a grandiosidade e a emoção de clássicos antigos.
A narrativa tem como protagonista Joey, um cavalo comum, mas
que parece predestinado a ensinar uma importante lição para a humanidade.
Apostando no lado emocional da trama, Spielberg mostra os horrores da guerra
através dos olhos deste animal, porém, não deixa de apresentar o quanto pode
ser gratificante uma vida bucólica. Adaptada por Lee Hall e Richard Curtis, a
trama se passa no início do século 20 e nos apresenta ao jovem Albert Narracott
(Jeremy Irvine) que é de uma família humilde e quer muito ajudar Ted (Peter
Mullan) e Rose (Emily Watson), seus pais, a salvar sua fazenda. O rapaz certa
vez se encanta por um cavalo à venda que não tem qualidades para o trabalho
agrário, mas ainda assim seu pai decide ficar com ele. Pouco a pouco Albert
estabelece uma impressionante relação de amizade com Joey e o cavalo, por sua
vez, passa a trazer um pouco de esperança aos Narracotts se esforçando ao
máximo para servi-los, já que ele é a única forma deles se sustentarem. A razão
de Ted ter comprado esse animal não foi apenas para agradar ao filho, mas
também para afrontar o ganancioso Lyons (David Twellis), o senhorio das terras
onde vive. Quando a Primeira Guerra Mundial estoura, Joey acaba sendo vendido
para o exército inglês e Albert não pode acompanhá-lo por não ter idade
suficiente para se alistar. O período em que ficam separados é a chance do
desacreditado cavalo mostrar sua força e valor enquanto seu grande amigo tenta
reencontrá-lo.
Após anos se dedicando a produção de filmes, sendo sua
última direção Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, Spielberg tratou
logo de correr atrás dos direitos de filmagens do livro assim que o leu, ainda
que a obra seja datada dos anos 80. Talvez por essa razão nostálgica não seja
um erro muitos dizerem que este épico “spielberguiano” nos remeta ao clássico E.T.
– O Extraterrestre pelo fato de trazer a tona uma amizade incomum, no caso
entre um ser humano e um animal. A escolha de um ser irracional como
protagonista também pode ser interpretada como uma metáfora à própria guerra,
uma maneira desprovida de razões para as pessoas provarem ou conquistarem poder
e riquezas, um tema que o cineasta já tinha trabalhado em outras ocasiões,
tendo bastante êxito, por exemplo, em A Lista de Schindler. Todavia, quem
espera ver sangue e violência em grandes proporções procure um filme antigo de
Oliver Stone. Aqui a produção é assumidamente para agradar a toda a família e o
diretor procurou dosar bem ousadia e sacarose encontrando soluções inteligentes
para expor a tensão dos conflitos. No entanto, para alguns seu trabalho acabou
parecendo ter saído da safra de live-actions dos estúdios Disney da década de
1960. Bem, homenagear os clássicos campestres, westerns e de guerra realmente
era um dos objetivos, mas é interessante observar uma mudança de foco adotada.
Hoje em dia é muito difícil inovar quando se pretende trabalhar com temas
ligados às duas maiores guerras da História e o cinema mundial abusou e
continua abusando da ideia de mostrar as atrocidades destes períodos através da
pureza do olhar das crianças, estas que podem transmitir ingenuidade ou
enxergar muito além dos adultos. Spielberg agora catalisa tudo que quer dizer
através de um cavalo que parece predestinado a uma missão. Aliás, o longa é
pontuado por algumas referências religiosas, como a abertura que apresenta um
passeio aéreo de câmera como se fossem olhares do céu lançados sobre a terra.
O cavalo também possui mais um significado na narrativa. Ele
seria um elemento predominantemente rústico e tradicional lutando para
encontrar seu espaço em um mundo novo que surgiu graças a industrialização
proporcionada pelos avanços da guerrilha. Os americanos têm um apreço especial
pelos filmes que tem cavalos como temas principais, porém, são raros aqueles
que colocam o animal no centro das atenções. Aqui Joey é quem tem as grandes
cenas do longa que não poupa o espectador de sequências construídas
cuidadosamente para levar o público às lágrimas, uma opção que também colabora
para o fato de muita gente torcer o nariz para a obra. O elenco,
predominantemente britânico, defende bem seus personagens, mas acabam ficando
como meros coadjuvantes em meio a belas cenas de batalhas e de paisagens
bucólicas, tudo embalado pela emocionante trilha sonora do premiado compositor
John Williams, parceiro de trabalho antigo do diretor. Se as canções, a
narrativa e a fotografia são apontados como qualidades ultrapassadas e que
contribuem para rotular o longa como algo clichê, é importante ressaltar o
hipnotismo ao qual o espectador é submetido quando vemos Joey em cena. São
vários cavalos que se revezaram nas filmagens para ocupar a vaga de
protagonista, mas todos inacreditavelmente bem treinados, tanto que o uso de
computação foi quase nulo na produção.
Partindo do romantismo para o combate épico, dos tons
pastéis para os acinzentados, Cavalo de Guerra é uma excelente obra, repleta de
qualidades e dignas de elogios, mas quando visto com olhares mais criteriosos
infelizmente revela seus “defeitos”. Talhada para ser a produção feita para
ganhar os prêmios da temporada 2012, o filme ficou mais nas intenções quanto as
premiações e não conseguiu arrebatar a crítica, que foi cautelosa ao avaliá-lo.
Ressaltaram que esta seria a volta de Spielberg aos bons tempos, mas jamais o
elogiaram ao máximo. Medo de afirmar que clichês e narrativa manipulada ainda
são alicerces válidos do cinema? Talvez sim. Como dito no início do texto, em
tempos em que a tecnologia é requisito básico para um filme fazer sucesso, o
cineasta que coleciona algumas das maiores bilheterias da História do cinema,
curiosamente muitas delas com efeitos especiais de ponta para a época em que
foram lançadas, parece ter realizado esta obra com o intuito de lembrar a todos
da importância em se manter as tradições da sétima arte cuja base, passe
quantos anos passarem, jamais deixará de ser a emoção. Pela sua longa duração,
quase duas horas e meia, esta é uma ótima opção para um domingo a tarde com
toda a família. Nostalgia pura em produto contemporâneo.
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