Durante muitos anos os
musicais eram sinônimos de cinema de primeira e marcaram uma fase de ouro de
Hollywood. Em meados dos anos 60 o gênero começou a sua decadência sendo
sucumbido por produções mais ousadas e realistas. Em tempos de guerras,
ganância e luta pela liberdade e direitos, já não havia mais espaço para a
magia do casamento da sétima arte com o mundo da música. Um ou outro musical
como Cabaret ou Grease – Nos Tempos da Brilhantina conseguiu fazer sucesso e
atravessar décadas sendo lembrado, mas definitivamente as produções do tipo
pareciam fadadas ao ostracismo. Eis que em pleno início do novo século o mundo
foi surpreendido com o lançamento de Moulin Rouge – Amor em Vermelho (2001),
um ousado e criativo projeto do diretor e roteirista Baz Luhrmann, antes responsável
por uma versão mais moderninha de um conto clássico, Romeu + Julieta. Sua especialidade parece ser oferecer verdadeiros
espetáculos visuais, cinema de verdade e sem medo de reinventar fórmulas. No
caso ele reinventou os musicais e entregou ao público uma obra ímpar utilizando
ao máximo os recursos sonoros e visuais a favor de sua narrativa, optando por
toques sutis de computação gráfica e exaltando o lado artesanal de se fazer
cinema. Tudo isso sem abrir mão de imprimir sua marca: o exagero, no bom
sentido.
A história começa na
virada do século 19 para o 20 nos apresentando ao jovem Christian (Ewan
McGregor), um escritor que está passando por um bloqueio criativo por perceber
que jamais se apaixonou de verdade e assim não poderia jamais escrever sobre o
amor de forma clara e sincera. Em Paris, no bairro boêmio de Montmartre, ele
recebe o apoio do artista plástico Henri de Toulouse-Lautrec (John Leguizano) e
de uma trupe de artistas que o ajudam a participar da vida social e cultural do
local que giram em torno do famoso cabaré Moulin Rouge. Ao visitar o local,
Christian se apaixona a primeira vista por Satine (Nicole Kidman), a grande
estrela da casa de espetáculos, que na realidade é um bordel. Graças a um
mal-entendido, os dois têm a chance de ficarem a sós por alguns minutos, tempo
suficiente para que a moça correspondesse ao amor do rapaz, porém, ela já está
prometida ao Duque de Monroth (Richard Roxburgh), que em troca do casamento
promete transformá-la em uma grande atriz e o Moulin Rouge em um elegante
teatro. Mesmo pressionada por Harold Zidler (Jim Broadbent), o ganancioso dono
do cabaré, em comum acordo Satine e Christian decidem viver seu romance as
escondidas, mas uma hora ela deverá escolher entre viver um amor verdadeiro ou
realizar seu maior sonho.
A história
assumidamente não é original e se sustenta em cima de um triângulo amoroso
clássico, mas a forma de narrar essa história de amor é que faz toda a
diferença. Tal qual aos musicais de outrora, as canções são utilizadas aqui
para ajudar a contar a história proposta, podendo substituir diálogos ou
simplesmente reforçar mensagens, porém, o diretor optou por escolher a dedo
canções contemporâneas e famosas que casassem com sua narrativa, todas
devidamente adaptadas e com novos arranjos instrumentais, sendo apenas uma
canção escrita especialmente para o filme. Apostando em uma empolgante mistura
de cores, cenários grandiosos e riquíssimos em detalhes, todos construídos de
verdade em um enorme estúdio, diga-se de passagem, Luhrmann também conseguiu
transformar o extravagante em luxo, mas nem mesmo todo o brilho existente a
cada nova cena consegue ofuscar o talento do elenco reunido destacando-se,
obviamente, os protagonistas. Nicole e McGregor surpreendem com a desenvoltura
nas cenas de dança e canto, lembrando que todas as músicas foram gravadas pelos
próprios atores, o que dá ainda mais vivacidade ao longa. Aliás, este trabalho
foi de suma importância para ambos os astros. A atriz vivia um momento de
renovação tanto em sua vida pessoal quanto na pessoal. Após se separar de Tom
Cruise, parece que a estrela finalmente libertou seu talento. Já McGregor,
embora já fizesse parte da mais recente trilogia Star Wars, pela primeira vez ganhou um personagem a altura de seu
talento em um filme comercial. Antes seu personagem mais marcante era no drama
independente Trainspotting.
Lançado primeiramente
sob os holofotes do Festival de Cannes e só depois ganhando espaço no circuito
comercial americano, ainda que no início em algumas poucas salas, talvez nem os
produtores ou o próprio Luhrmann imaginassem as proporções de sucesso que este
musical atingiria. Realmente lançar um filme destes em pleno século 21 era uma
idéia um tanto arriscada, mas o megalomaníaco cineasta topou o desafio de
inserir novamente este gênero no mapa do cinema mundial. Para tanto, adotou
estratégias que transformaram sua obra não apenas em um filme, mas sim em um
arrebatador espetáculo visual, auditivo e emocional. Tingindo cada fotograma de
tons avermelhados, graças aos figurinos, cenários e objetos de adorno, a
atmosfera vibrante do cabaré esconde o que há de podre quando os clientes não
estão olhando. Intrigas, traições, inveja, ambição, enfim tudo o que poderia
haver de sórdido neste mundo boêmio é escamoteado e nem mesmo o espectador pode
se dar conta disso diante de frenéticos números musicais em ritmo de
videoclipe. Além disso, Luhrmann não se preocupa em errar
e costura sua exaltação ao amor com momentos cômicos que se alternam com outros
extremamente dramáticos, até culminar em um dos finais mais arrebatadores que o
cinema já nos apresentou.
É muito
bom ver que os anos passam, mas o brilhantismo deste show cinematográfico
continua sendo perpetuado e conquistando novos fãs a cada dia. Moulin
Rouge – Amor em Vermelho não é apenas uma exaltação ao amor, vai além.
É a celebração do que é fazer cinema de verdade, arte do início ao fim e é até
difícil selecionar uma cena que o represente dignamente. Cada uma delas é uma
verdadeira obra de arte que merece ser contemplada em seus mínimos detalhes. Em
sua trajetória de sucesso, que como já dito continua até hoje, só é uma pena
constatar que os membros da Academia de Cinema de Hollywood perderam a chance
de enaltecer sua própria imagem premiando esta produção, afinal ela é a
tradução visual da alcunha “sétima arte”. Infelizmente optaram pela política da
boa vizinhança ou projeções comerciais e tiraram a chance de Luhrmann e sua
trupe terem a cereja do bolo. Indicado a mais de oitenta prêmios nos mais
diversos eventos e festivais de cinema, no Oscar o longa ganhou apenas nas
categorias de figurino e direção de arte, mas merecia muito mais. Após mais de
duas décadas de ausência da festa, o gênero musical voltava com força total
para disputar com os gigantes da época. O Oscar perdeu a chance de fazer
História e enaltecer a sua própria, afinal eram os musicais os grandes
destaques da premiação no passado, mas de qualquer forma o romance de Satine e
Christian não só fez como continua fazendo seu próprio conto de sucesso. Uma dica
para ver e rever quantas vezes forem possíveis.
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