Sônia Abrão, José Luis Datena, Marcelo
Rezende e tantos outros nomes da TV que dizem trabalhar seriamente com as
notícias já viraram sinônimo de piada. Todo mundo sabe que para eles a
audiência vem em primeiro lugar e para tanto eles usam e abusam do
sensacionalismo para segurar o espectador na frente da televisão, tanto que em
2012 surgiram boatos de que leis seriam criadas para limitar o trabalho da
imprensa, já que por várias vezes tal interferência em casos policiais acabou
por levar alguns episódios a finais trágicos e a manipulação da opinião pública.
Claro que o sensacionalismo também está presente em outros meios de comunicação,
mas ele se mostra muito mais agressivo na TV. Apesar de hoje em dia esse tipo
de jornalismo estar em franca decadência, levando apresentadores a reclamarem
ao vivo que não se conformam que as pessoas preferem fugir da realidade a
acompanhar seus espalhafatosos relatos acerca da violência do cotidiano, esse
modelo já teve seu auge, mas muito tempo antes Hollywood já previa isso, como
prova O Quarto Poder (1997).
O longa dirigido pelo cultuado
Costa-Gravas é uma crítica às formas de se fazer jornalismo na década de 1990 e
mesmo se passando tantos anos desde seu lançamento o conteúdo continua
extremamente atual e desperta a discussão e a reflexão. Em busca do máximo de
repercussão possível, os noticiários selecionam entre os fatos mais importantes
do dia aqueles que podem ser explorados lados sentimentais e humanos, o que
explica a mobilização que sequestros e homicídios provocam. Discutir economia,
avanços da ciência ou matérias sobre comportamento não causam tanto impacto
quanto mostrar os dramas dos parentes de uma vítima de assassinato ou o
sofrimento e a tensão de um refém e seu sequestrador. É justamente neste último
exemplo que é calcado o roteiro de Tom Matthews e Eric Williams. Em Madeline,
na Califórnia, o decadente jornalista Max Brackett (Dustin Hoffman) tem que se
contentar em fazer matérias de pouca importância para ter seu salário todo mês,
mas provavelmente jamais esperaria que uma pauta sobre o museu de história
natural da cidade poderia ser sua chance de virar o jogo. Sam Baily (John
Travolta) era o segurança do local, mas foi demitido e não se conforma. Decidido
a retomar seu lugar, ela vai armado falar com a diretora da instituição e sem
querer fere um antigo colega de trabalho.
Brackett imediatamente entra em
contato com uma estagiária que o aguarda do lado de fora do museu para que
comece uma cobertura ao vivo já que Baily está mantendo um grupo de pessoas
como refém, inclusive crianças que visitavam a instituição. O assunto acaba
ganhando proporções gigantescas e logo todas as emissoras de TV passam a
aglomerar câmeras e repórteres na frente do museu em busca de qualquer
novidade. Brackett percebe que o ex-segurança não tinha intenções de fazer mal
a ninguém e aproveita seu estado de transtorno para manipular a situação a seu
favor. Ele o convence a dar uma entrevista exclusiva e faz de tudo para passar
uma imagem positiva de Baily dramatizando sua situação, assim colocando a
opinião pública a seu favor e consequentemente forçando as autoridades a
mudarem suas decisões. O plano parecia perfeito, mas as coisas saem do controle
a partir do momento que cada pessoa conta sua versão dos fatos de uma estória
onde não há o bem e o mal ou mocinho e vilão. Bem, o enredo está bem próximo do
que acompanhamos nos nossos programas ditos jornalísticos. O profissional da
imprensa coloca seus interesses à frente da notícia e a ética é jogada no lixo.
Às vezes, por quase duas horas, um crime pequeno como o furto de uma mercadoria
em alguma loja acaba se transformando em uma narrativa policial digna de filmes
toscos, basta achar ou inventar um gancho dramático. Quando o problema envolve
crianças e uma pessoa perturbada, o leque de opções é ainda mais farto.
Hoffman é tão bom ator que em nenhum
momento conseguimos enxergar seu lado de vilania e até nos comovemos quando ele
passa a defender o sequestrador, mas seu discurso persuasivo, se bem analisado,
é uma atitude um tanto covarde. Ele se aproveita da fragilidade do outro para
ganhar vantagens sem se dar conta de que passou a alterar os rumos da situação.
É ele quem o induz a manter pessoas em cárcere, não se entregar a policia e o
que ele deve dizer para a imprensa. Travolta também se sai muito bem se
deixando manipular sem perceber. Seu personagem está em um grau de desespero
que não consegue distinguir a veracidade dos fatos e embarca nas ideias do
repórter. Como todos os fatos têm ao menos dois lados, obviamente não faltam
emissoras de TV invertendo as coisas e denegrindo a imagem de Baily, porém,
exagerando na dose. O povo se divide e para a polícia as coisas também
complicam, pois ela já não sabe mais qual versão é verdadeira. A sorte dos
envolvidos está lançada.
Relacionar o conteúdo de O
Quarto Poder com o jornalismo que impera na TV atualmente rende
certamente verdadeiros estudos dignos de graduações, mestrados e doutorados. É
um campo muito fértil e contraditório, ainda mais se levarmos em conta casos
recentes que envolveram os profissionais citados no início do texto. No Brasil
as coisas ainda são mais vergonhosas levando em consideração que um jornalista
hoje em dia não precisa obrigatoriamente ter um diploma da área de comunicação.
Qualquer um fala o que quer e o compromisso com a verdade e o respeito ao
público não existem. É a representação do velho ditado “quem conta um conto
aumenta um ponto”. Logo ninguém mais sabe qual é a real versão dos fatos, mas
não faz mal, o que aconteceu hoje amanhã será esquecido, pois não deve tardar
para outro evento trágico surgir e ganhar os holofotes. O final do longa de
Costa-Gravas é ácido e extremamente realista e ousado. Se você pretende seguir
a carreira de jornalista, certamente terá que ver esse filme durante a
faculdade. Ah, quinze anos se passaram e por isso ele está velho e não vale
mais nada? Por favor, esqueça tal profissão e parta para outra.
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