Ter a ideia de refilmar ou
até mesmo reimaginar um filme clássico é uma tarefa um tanto audaciosa, pois
são muitos os riscos da obra sofrer rejeição do público e crítica ou até mesmo
arruinar a imagem de um produto idolatrado. Tim Burton há alguns anos
arriscou-se a dar a sua visão de Planeta
dos Macacos, misto de aventura e ficção lançado na década de 1960 que
ultrapassou as barreiras do cinema escapista e levantou discussões pertinentes
a respeito do ser humano versus civilidade através da inversão de papéis. Se o
homem realmente representa a evolução dos símios, nada mais original naquela
época em que tal teoria ainda era intensamente pesquisada do que colocar os
macacos em um patamar de inteligência acima dos humanos e estes ocupando as
vagas de animais adestrados na sociedade. O remake de 2001 fez sucesso, é bem
feitinho, mas nem a legião de fãs de Burton conseguiu salvá-lo de sair
chamuscado pelas críticas negativas. Muitas discussões surgiram nos anos
seguintes e chegou-se a seguinte conclusão: a obra original de Franklin J.
Schaffner é intocável. O que esperar então de uma produção intitulada Planeta
dos Macacos – A Origem (2011)? O título pode soar como tremendo
caça-níquel de quinta categoria, mas você certamente deve se surpreender com o
que vai assistir.
Aparentemente o projeto de
novamente explorar o conflito macaco versus homem pode dar a ideia de algo
oportunista, mas o cineasta Rupert Wyatt conseguiu injetar frescor, adrenalina
e inteligência a um enredo um tanto crível. O roteiro de Rick Jaffa e Amanda
Silver aborda um tema que já havia sido trabalhado na trilogia original
seiscentista, mais especificamente em Fuga
do Planeta dos Macacos. Will Rodman (James Franco) é um cientista que
trabalha em um laboratório onde são realizadas experiências com macacos. Seu
objetivo é descobrir novos medicamentos para a cura do mal de Alzheimer, doença
que acomete seu pai Charles (John Lithgow). Quando uma das cobaias escapa e
provoca vários estragos, a pesquisa é cancelada, mas o jovem não desiste e
passa a fazer suas experiências em sua casa, testando os medicamentos no pai e
em um filhote de símio que ele trouxe do laboratório. César, como foi batizado
o macaquinho, demonstra ter uma inteligência anormal, resultado das substâncias
que recebeu geneticamente da própria mãe que também foi submetida a testes
durante a gestação. Com o tempo, o medicamento passa a não surtir mais efeito
em Charles e na tentativa de defendê-lo César ataca um vizinho e é capturado.
Passando a ter contato com outros de sua espécie também mantidos em cativeiro,
César, agora já adulto, passa a demonstrar revolta e comportamento agressivo.
A obra original causou
grande impacto ao propor algo inimaginável. Na época estava na moda mostrar
alienígenas no cinema com o intuito de dominar a raça humana. O que era pura
ficção ganhou ares de algo mais próximo da realidade ao passar o conflito para
as mãos, ou melhor, para as patas dos macacos. A versão de 2011, que
declaradamente não é uma refilmagem, ainda mantém em destaque o tema dominação,
mas agora é o homem que está na posição de dominador querendo mandar em uma
espécie que julga ser fraca intelectualmente. Grande engano. Os macacos de
laboratório imaginados para este novo milênio são espertos e dotados de
sentimentos que variam dos dóceis aos ruidosos. Embora apresentem comportamento
e características próximas dos humanos, inclusive movimentos corporais e
faciais, a macacada é mantida praticamente com a coleira no pescoço e isso eles
não toleram. Quando César é aprisionado junto a outros de sua espécie, ele é
submetido a maus-tratos que mexem com seu emocional, um contraponto ao
tratamento que tinha até então com Rodman. Assim, o longa também aborda
críticas ao modo de se fazer ciência colocando em xeque o tratamento dispensado
às cobaias, afinal são seres vivos que merecem o mínimo de respeito e direitos
que um ser humano.
O longa acaba sendo
dividido em duas partes, propositalmente ou não. A primeira parte em nada faz
referência ao tal planeta dominado pelos símios. É o mundo humano que está
presente, a selva é de pedra e os animais estão devidamente alojados em
zoológicos, cativeiros e laboratórios, embora os humanos não deixem de viver
enjaulados e de certa forma solitários mesmo não estando sozinhos. É nessa
parte que o elenco tem a oportunidade de mostrar sua competência, desde
estrelas em fase de pré-ascensão como Tom Felton e Freida Pinto, até nomes
consagrados como John Lithgow. A segunda parte já passa a ser dominada pela
macacada, pelas sequências de adrenalina e pelos efeitos especiais de primeira.
Se nos outros filmes da série, inclusive na versão de Burton, era nítido que o
que víamos eram atores travestidos de símios, aqui o diretor não poupou
esforços e dinheiro para obter o resultado mais próximo da realidade. Ficamos
na dúvida se o que temos em cena são atores ou macacos reais. Bem, pelo menos
um deles é um homem real e com um extenso currículo no cinema, mas cuja imagem
poucos sabem qual é. O ator Andy Serkis emprestou suas feições e expressões e
através da técnica de captura de movimento foi criado César. Da mesma forma o
intérprete deu vida ao Gollum da trilogia O
Senhor dos Anéis.
Planeta dos Macacos – A
Origem é a síntese do que Hollywood sempre buscou: unir
entretenimento de qualidade com intelectualidade, algo difícil hoje em dia.
Embora disfarçados em meio a cenas de ação e brilhantes efeitos visuais,
existem pontos deste roteiro bastante pertinentes para suscitar discussões e
reflexões. Se para alguns o longa só vale a pena quando o final se aproxima,
momento em que a revolta da macacada se concretiza, para outros existe muito
conteúdo no restante do filme a ser apreciado. Wyatt não se deixou deslumbrar
pelo que a tecnologia poderia lhe oferecer para criar um produto de ação do
início ao fim e deixou que o enredo ficasse em primeiro plano, preferindo assim
detalhar os trabalhos dos cientistas e os laços afetivos criados entre César,
Will e Charles. Ao subirem os créditos finais é praticamente impossível
esquecermos esta obra. Pensamos como será o futuro, a respeito de como a
ciência avança a passos largos, nos indagamos sobre questões éticas e morais,
para onde a sociedade está caminhando. No fundo a revolta dos símios não deve
ser interpretada como um motim para dizimar ou escravizar a humanidade, mas sim
como um grito de liberdade, o mesmo grito que tantas minorias no mundo todo
desejam um dia poder dar em alto e bom som contra a ditadura do poder e do
dinheiro que se sobrepõe à inteligência e a emoção.
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