A morte é um episódio doloroso com o qual todos precisam aprender
a lidar, mas isso não é nada fácil, principalmente quando se perde um ente
querido. Pela ordem natural das coisas, as pessoas mais velhas partem antes das
mais novas, mas como lidar com a situação de perda quando há uma inversão como,
por exemplo, o filho falecer antes dos pais? É justamente a respeito desta dor
que gira o enredo de Reencontrando a Felicidade (2010),
um eficiente drama dirigido por John Cameron Mitchell, responsável pelos polêmicos
Hedwig – Rock, Amor e Traição e Shortbus. Em seu terceiro trabalho atrás
das câmeras, o cineasta deixou que o seu momento de vida o inspirasse. Após
perder um irmão de apenas dez anos de idade, Mitchell adquiriu toda a carga
dramática necessária para expor a dor da perda em um longa-metragem e provar
que como diz o ditado o tempo é o melhor remédio para esse tipo de caso.
A atriz Nicole Kidman pela primeira vez atua e ainda acumula a
função de produtora de um filme. O roteiro de David Lindsay-Abaire é baseado em
sua própria peça apresentada com sucesso na Broadway e enfoca o casal Becca
(Nicole) e Howie Corbett (Aaron Eckhart) que teve suas vidas profundamente
abaladas por uma fatalidade. Danny (Phoenix List), o filho deles, morreu em um
acidente de carro ainda criança e a dor da perda abala as estruturas do
relacionamento de seus pais que passam a viver em uma constante montanha-russa
de emoções que já dura oito meses. A mãe tenta viver o presente cercando-se de
pessoas que possam ajudá-la a superar a situação enquanto o pai busca no
passado e encontros amorosos o apoio necessário que sua esposa não oferece.
Becca inclusive inicia uma amizade com o jovem Jason (Miles Teller), o
responsável pelo acidente que matou seu filho, na esperança de levar sua vida
adiante perdoando aquele que causou um mal sem intenções. De qualquer forma,
esses pais tentam buscar um futuro positivo para suas vidas, mas nem mesmo a
terapia em grupo com outros casais passando por problemas semelhantes parece
apontar caminhos fáceis para os Corbett seguirem em frente. A dor só é
amenizada, jamais superada.
Este drama evidentemente é denso, carregado de tristeza e não é só
nos diálogos que encontramos conteúdo. Aqui os gestos, olhares e o silêncio são
de suma importância para compor a narrativa. Não é difícil para o espectador
submergir a este drama. Apesar de algumas cenas ou a trilha sonora claramente
serem usadas para manipular emoções, é no embate verbal e físico entre os
protagonistas ou nas suas oposições que se encontra a força do filme que deseja
mostrar como cada pessoa reage a um fato doloroso e inesperado, no caso a mãe
de forma mais agressiva enquanto o pai trata o assunto de modo mais sereno. Sem
se tocarem e mal se falarem, Becca e Howie travam bons diálogos com terceiros,
personagens interpretados com vigor, por exemplo, por Dianne Wiest, com uma
excepcional e reveladora sequência ao lado de Nicole, e Sandra Oh, mas o
silêncio e a lentidão da narrativa são as grandes marcas deste trabalho e
necessário à história, assim como os momentos aparentemente simplórios. Nicole
e Eckhart certamente tiveram um desgaste emocional e tanto para defenderem seus
personagens, mas a sintonia entre eles é perfeita, ou melhor, é perceptível que
o relacionamento entre eles fora das câmeras foi amistoso, pois só assim
poderiam passar a real dimensão do distanciamento existente entre Becca e
Howie.
O título original, “Rabbit Hole”, é uma referência ao conto “Alice
no País das Maravilhas” no qual um coelho entra apressadamente em um buraco e
desperta a curiosidade de uma garota que o segue e então toma contato com um
mundo desconhecido. A metáfora no filme de Mitchell se deve ao fato de que os
protagonistas também caem inesperadamente em um buraco imaginário após um fato
doloroso e agora precisam redescobrir o mundo em que vivem ou que a partir de
agora viverão. De qualquer forma, o longa passa longe de ser um estudo sobre as
consequências que traumas podem causar aos seres humanos e tampouco como a
morte de um ente querido pode afetar a vida daqueles que permanecem vivos.
Todavia, o fato de não ter essas pretensões não desvaloriza a obra, pelo
contrário, até a torna mais aceitável e sincera. O diretor não quis fazer um
drama arrebatador, mas simplesmente expor aquilo que sentiu ou aprendeu com a
própria experiência que viveu pouco tempo antes deste projeto.
Reencontrando a Felicidade é um drama calcado principalmente no lado psicológico de
seus protagonistas e que dispensa momentos dramáticos exagerados, o que deixa a
narrativa mais verdadeira e menos manipuladora, ainda que a condução da trama
siga um modo esquemático. Se tiramos alguma lição desta obra é aquela que
sempre ouvimos quando há casos de morte. Embora todos sabemos que nosso destino
é um só, ninguém está preparado para suportar a perda de alguém próximo sem
viver um mínimo do período de luto, uma época em que sentimentos e pensamentos
se confundem e que pode durar dias, meses, anos ou toda nossa existência. Como
dito no início do texto, o tempo é o melhor remédio para esse tipo de dor, mas
jamais traz a cura. As tarefas do dia-a-dia acabam nos trazendo de volta a
realidade e podemos esquecer os acontecimentos, mas basta um momento de ócio ou
uma simples lembrança para a saudade bater. A vida é assim e não podemos fazer
nada para mudar, apenas continuar vivendo da melhor maneira possível e tentar
diariamente digerir a dor lembrando-se dos bons momentos que a pessoa que
partiu nos deixou. Este filme é uma dica que vai muito bem para esta época do
ano em que a família e amigos são valorizados, mas os mais sensíveis ou que
recentemente viverão situações parecidas com o enredo podem se emocionar além
da conta.
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