O mundo dá voltas. Se um dia o
império Disney foi estremecido e virou “refém” dos moderninhos desenhos da
Pixar agora chegou a vez dos papéis se inverterem. O antigo e longo acordo das
duas empresas previa que a casa do Mickey Mouse seria apenas responsável pela
divulgação e distribuição dos longas animados através de computação gráfica,
mas desde 2008 elas se uniram em um mesmo conglomerado, assim o reino das
princesas e animais fofinhos foi invadido por brinquedos e carros animados,
monstros bonzinhos, super-heróis entre outros tantos personagens criados
através de tecnologia de ponta. Mas como diz o ditado, tudo que é bom dura
pouco. No caso da Pixar não. Foram quase duas décadas praticamente dominando o
mercado de animações, mas Carros 2
balançou os alicerces da produtora. Após o baque das críticas negativas,
surpreendeu o fato de que para tentar dar a volta por cima os executivos do
estúdio escolheram aliar modernidade e antiguidade. Valente (2012)
definitivamente é um produto diferenciado no catálogo da empresa que fez
história com Toy Story, Monstros S.A.,
Procurando Nemo, entre tantos outros sucessos, mas deixa a desejar no
quesito criatividade.
A animação continua mantendo o
visual arrebatador característico da Pixar, desta vez com o uso de efeitos 3D,
diga-se de passagem, totalmente desnecessários, mas o enredo é bem diferente do
que ela nos apresentou ao longo dos últimos anos. Bebendo na fonte da era
medieval, o longa é protagonizado por uma princesa. Será que o estúdio estava
passando por uma crise brava, perdeu sua identidade e sucumbiu aos apelos da
Disney que claramente nunca quis abandonar os contos de fadas? A resposta é sim
e não. Algumas pessoas dizem que pelo fato do enredo enfocar questões
familiares e ter como protagonista uma princesa o desenho acabou ficando tradicional
demais, mas se pararmos para analisar existe sim novidades e ganchos muito
interessantes. Não temos aqui uma princesinha indefesa e sonhadora que tem como
único objetivo casar-se e ser feliz para sempre. Embora criada com todos os
cuidados por Elinor, sua mãe, para ser sua sucessora como rainha da Escócia, a
jovem Merida sente que não tem a menor vocação para cuidar do reino apenas
dando ordens. Ela quer é ação. Seus lazeres prediletos são cavalgar e praticar
o tiro ao alvo com seu arco e flecha.
Quando a contragosto é organizada uma competição para escolher o seu
futuro marido entre os herdeiros dos reinos aliados, a garota aceita a ajuda de
uma senhora que tem o dom da feitiçaria. Merida gostaria de uma solução para
que sua mãe passasse a compreendê-la melhor e a deixasse seguir sua vida como
bem entendesse. Porém, as coisas não caminham como esperado e agora a jovem
rebelde de cabelos avermelhados e desgrenhados tem que resolver um problema
literalmente gigante.
Bem, pela descrição dos cabelos
de Merida, já dá para perceber que ela está longe de se parecer com qualquer
uma das princesas Disney criadas até então, fugindo até mesmo do padrão criado
para as corajosas Pocahontas ou Mulan. Desprovida de sensualidade e com
trejeitos femininos atenuados, a jovem herdou as características de seu pai, o
Rei Fergus, bonachão, teimoso e destemido. Contrastando com a harmonia que
parece onipresente entre pai e filha, na ausência do sonho de conquistar um
príncipe encantado, o grande conflito deste enredo é a relação estremecida de
Merida e sua mãe. O atrito começa pelas diferenças visuais existentes entre
elas, como a forma de se vestir ou arrumar o cabelo, e se estende ao campo
afetivo e emocional. Cada uma deseja algo diferente, mas seguindo os bons
costumes Merida devia obediência à Elinor, uma tradição que ela quer a todo
custo quebrar. Enfim, a princesinha da vez é uma típica adolescente como tantas
de hoje em dia. Tem dúvidas, espírito desafiador, quer se destacar, é rebelde e
mete os pés pelas mãos. É de um erro cometido em um momento de fúria que Merida
tira uma grande lição e consequentemente o filme ganha sua mensagem a ser
transmitida não só para crianças, mas também para os adultos que precisam
aprender a ouvir mais e respeitar as vontades de seus filhos. É preciso haver
um equilíbrio entre o querer e o dever de ambas as partes.
É provável que boa parte das
críticas negativas ou ressalvas que esta animação recebe se deva ao fato de que
é previsível que a originalidade de termos em cena uma princesa rebelde não vai
muito longe, mas algo diferente disso seria impossível em um produto cujo
público-alvo são as crianças. Assim é
inevitável que a primeira parte do longa seja bem mais interessante que a
segunda e última. Todavia, a essa altura já estamos tão ambientados ao cenário
medieval escocês, mais uma inovação da produção quanto ao local em que a
história se desenrola, e com o clima mágico que envolve os personagens que fica
impossível desvencilhar a atenção. No
final das contas, a protagonista na realidade não tem um conflito próprio, não
há nem mesmo um vilão perverso a combater, mas lida com um problema que pode
destruir sua família. Não é só o fato do feitiço que encomendou ter dado errado
que a aflige, mas também que por conta do seu egoísmo ela pode colocar todo o
reino em perigo. Curioso para saber o que acontece com a Rainha Elinor? Ok, a
essa altura todos sabem que ela é transformada em um urso, algo que já podemos
prever com a introdução que mostra o Rei Fergus demonstrando o seu repúdio a
esse tipo de animal.
A quem incomodar as qualidades
narrativas entre a primeira e a segunda parte é importante esclarecer que dois
diretores dividem o crédito. O início pode causar certo estranhamento pelos
cenários propositalmente mal iluminados, além da presença de vikings e a
escolha de um país pouco explorado pelo cinema para sediar o conto. Baseando-se
em lendas escocesas e excluindo desde o início a opção de um felizes para
sempre, a idéia original deste trabalho é da cineasta Brenda Chapman, que já havia
trabalhado com o realismo em animação no elogiado O Príncipe do Egito. Juntou-se a ela o diretor Mark Andrews, mas a
parceria não chegou até a conclusão do filme devido a diferenças criativas, o
que explica a mudança de ritmo da metade para o final. Se tivesse seguido a
linha narrativa adotava no início, certamente poderíamos dizer que Valente
é um produto legitimamente Pixar, mas o resultado final está muito mais próximo
aos clássicos Disney. Assim, o primeiro longa do estúdio protagonizado por uma
mulher e também sua estréia na seara de filmes de época acabou não sendo tão
marcante quanto o esperado. O fator inovação tão presente nas obras da empresa
não foi desenvolvido plenamente, mas de qualquer forma este é um desenho que
vale a pena, agrada adultos e crianças e não mancha totalmente a imagem da
Pixar. Se bem que depois de Carros 2
não sabemos mais o que esperar desta empresa. O sucesso subiu à cabeça e enrijeceu
os neurônios de seus criadores? Só tempo e as novas produções podem ou não
comprovar isso.
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