Nos EUA é muito comum o termo “feel good movie”, algo como
filmes que trazem mensagens positivas, aqueles que deixam o espectador com uma
boa sensação ao subirem os créditos finais. Para os críticos de cinema essas
produções são dotadas de artifícios que manipulam as emoções para fazer as
pessoas se envolverem e até mesmo chorarem facilmente, ou seja, trocando em miúdos,
consideram trabalhos que não acrescentam absolutamente nada na história do
cinema ou para aumentar o intelecto do público tornando-se assim obras
desnecessárias. Por outro lado, tais filmes estão cada vez mais ganhando as
atenções das premiações. Os organizadores de festivais e festas dos melhores do
ano estão visando chamar a atenção de plateias mais jovens dando visibilidade a
produções que caíram no gosto popular, como foi o caso de Histórias Cruzadas (2011),
uma das maiores surpresas nas bilheterias americanas daquele ano. O enredo
eficiente e de fácil assimilação aliado a um competente elenco feminino
trataram de fisgar as atenções.
A pequena e pacata cidade de Jackson, no estado do
Mississipi, parece que parou no tempo e as pessoas vivem em uma sociedade que
separa negros e brancos, pobres e ricos. Em plena década de 1960, durante a
conturbada luta pelos direitos civis e o início dos debates sobre a
discriminação racial, Skeeter (Emma Stone) retorna a sua cidade natal e está
decidida a seguir a carreira de escritora. Porém, o tema que ela escolheu para
seu primeiro livro é um tanto espinhoso e mexe com os brios da sociedade
americana conservadora, muito bem representada pela malvada Hilly (Bryce Dallas
Howard). A jovem escritora começa a entrevistar mulheres negras que deixaram suas
famílias e as próprias vidas de lado para trabalharem como empregadas e babás
nas casas da elite branca, classe social da qual a própria Skeeter faz parte.
Aibileen (Viola Davis), a empregada da melhor amiga da escritora, é a primeira
a conceder uma entrevista, o que desagrada os vizinhos. Apesar das críticas e
olhares maldosos, Skeeter e Aibileen tornam-se amigas e juntas conseguem novos
depoimentos, como da atrevida governanta Minny (Octavia Spencer), ainda que as
empregadas sintam receio de revelar os segredos de seus patrões para não serem
punidas.
O diretor e roteirista Tate Taylor colocou suas mãos em um
projeto ambicioso. Para seu segundo trabalho atrás das câmeras ele foi atrás
dos direitos da adaptação cinematográfica do livro “The Help”, best seller de
Kathryn Stockett que toca levemente em uma ferida que até hoje faz sangrar a
sociedade americana como um todo. A produção ficou a cargo de Chris Columbus,
mestre em filmes para agradar a família. Trilha sonora, fotografia, cenários e
figurinos caprichados para deixar o longa com cara de premiável e por fim um
elenco feminino afiado e competente, mas cujo único nome de peso é o de Sissy
Spacek arcando com um papel secundário. Tudo parece perfeito, mas ao longo de
quase duas e meia de filme percebemos falhas que não comprometem drasticamente
o resultado final, porém, incomodam um pouco. O roteiro também possui algumas
subtramas com o intuito de montar um panorama comportamental da época,
enfocando obviamente a condição da mulher, mas são situações pouco necessárias
para a construção da narrativa central. Outro problema fica por conta dos personagens
“chapados”. Eles não têm variações de personalidades, tornando-se assim
estereotipados, como é o caso da madame Hilly, malvada e ponto final, e da
doméstica Minny, desbocada e valentona. A única exceção fica por conta de
Celia, papel de Jessica Chastain, uma mulher da elite, mas bondosa, de bem com
a vida e sem traços de superioridade.
Apesar das personagens estereotipadas, ou talvez pela fácil
classificação que o espectador pode fazer das mesmas, o elenco feminino é o que
interessa nesta produção. As criações despertam empatia e a edição permite que
todas possam ter espaço suficiente para apresentarem seus dramas ou momentos de
ironia através de diálogos fartos e bem distribuídos. Destacam-se as atuações
de Viola Davis, acertando no tom dramático, e de Octavia Spencer responsável
pelos toques de humor do filme, trabalho que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz
Coadjuvante. Aliás, todo o elenco foi bastante premiado na temporada de prêmios
de 2012, inclusive faturando troféus como melhor conjunto de intérpretes. Quanto
ao elenco masculino, bem o espaço dos homens aqui é tão limitado que no final
das contas suas participações são totalmente esquecíveis. Priorizando uma
narrativa mais intimista, Taylor colocou os dramas pessoais das personagens em
primeiro lugar e deixou os eventos históricos em segundo plano. Para evitar o
rótulo de produção de época, alguns fatos são superficialmente citados o que
para muitos faz com que a obra perca muito valor. Todavia, casar questões
políticas e históricas com dramas pessoais não é uma tarefa fácil e o diretor
preferiu não se arriscar.
Resumindo o enredo pode parecer que Histórias Cruzadas é
mais um lacrimoso drama retratando um período difícil para os negros, mas no
final das contas são os causos cômicos que dão certo frescor a proposta.
Todavia, a opção de pouco explorar a dura vida das mulheres negras que
abandonam suas vidas para sobreviver tomando conta da dos outros não agrada a
todos os gostos. Para muitos foi jogada fora a chance de discutir a
discriminação racial através do olhar feminino e de uma forma mais leve ou
tocante. Bem, dramaturgicamente falando, é um erro mesmo apenas citar uma
agressão vivida por uma doméstica, um ponto-chave da ideia inicial, para gastar
muitas cenas acerca de uma duvidosa torta servida como vingança a uma patroa
(não vou revelar tais sequências, mas o fato é que elas não se encaixam muito
bem na proposta). De qualquer forma, mesmo sendo um trabalho longe da perfeição
que a campanha do Oscar e outras premiações venderam, vale a pena dar uma
conferida pelo menos para lembrarmos quem em pleno século 21 ainda convivemos
com problemas raciais do século 20 que por sua vez apresentava conflitos dignos
do século 19. Seria o preconceito um ciclo sem fim?
Um comentário:
Boa tarde;
Sou fã de suas escolhas para série "Festival de Férias", que marcam seus posts, sendo que as emissoras de televisão aberta deixam a desejar nessas temporadas, onde exibem filmes apenas razoaveis para preencher a programação.
Parabens´pela escolha, pois esse filme é ótimo.
marcelokeiser.blogspot.com.br
abraço
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