Um casarão localizado em uma região afastada onde seja dia
ou noite a melancolia impera, uma névoa intensa trata de deixar o ambiente
ainda mais angustiante e os sons provenientes do vento se chocando contra
árvores e janelas podem deixar qualquer um com arrepios na espinha. Bem, esses
são velhos clichês dos filmes de terror, porém, quando bem utilizados podem
ainda funcionar muito bem ou superar expectativas. É numa ambientação
assustadora dessas que o diretor Alejandro Amenábar realizou uma das melhores
produções de suspense ou horror dos últimos tempos. Monstros fajutos,
assassinos mascarados e adolescentes acéfalos gritando por qualquer coisa já
não assustavam mais na época, mas o sucesso de O Sexto Sentido dois anos antes
deu sinal verde para a realização de Os Outros (2001). O que esses dois filmes
têm em comum? Ambos mexem com o subconsciente do espectador, porém, com óticas
diferentes. Se explicitar o que causa medo já não tem mais efeito, porque não
tentar o contrário? Assim o cineasta e roteirista chileno fez muita gente roer
as unhas apostando em ruídos, silêncios, fatos inexplicáveis e no mais velho
truque para causar temor: o escuro.
Na remota Ilha de Jersey, logo após a Segunda Guerra
Mundial, Grace (Nicole Kidman), uma mulher religiosa e assustada com tudo o que
aconteceu no período do conflito, vive em uma grande e isolada mansão junto com
seus dois pequenos filhos, Anne (Alakina Mann) e o caçula Nicholas (James
Bentley). Os três sonham com o dia em que Charles (Christopher Eccleston), o
chefe da família, retornará da guerra. Enquanto isso eles vivem uma vida
monótona e triste em casa, ainda mais porque ela está sempre com as janelas
tapadas por cortinas escuras e apenas a luz de velas é utilizada. As crianças
sofrem de uma rara doença e não podem ser expostas à luz solar, assim eles não
tem amigos e são educados rigidamente pela mãe dentro de casa. A rotina do trio
irá mudar completamente com a inesperada chegada de novos serviçais. Bertha
(Fionnula Flanagan), Sr. Turttle (Eric Sykes) e a jovem muda Lydia (Elaine
Cassidy) parecem conhecer perfeitamente a casa e seus serviços agradam Grace,
mas desde o primeiro dia em que eles colocaram os pés naquele lugar muitas
coisas estranhas passaram a acontecer e colocaram a vida das crianças em risco.
Seguem-se então ruídos estranhos, portas que se abrem e fecham sozinhas, sons
de passos e conversas e assim Grace começa a investigar qual a relação dos seus
subordinados com os estranhos acontecimentos.
Obviamente muita gente hoje em dia sabe de traz para frente
a história deste filme e a revelação surpreendente que ele guarda para a
conclusão, mas ainda existem pessoas que resistem a assistir ao menos uma vez
por puro medo. Seja inédito ou repeteco, é certo que sempre vale a pena
conferir este trabalho que consegue mesmo com cenários e elenco enxutos
resultados impressionantes. Além de atuações perfeitas e de um roteiro que não
subestima a inteligência do espectador, outro grande trunfo que Amenábar
conseguiu foi criar uma atmosfera única e envolvente. É praticamente impossível
não se sentir fazendo parte da história e viver intensamente as mesmas emoções
e dúvidas dos personagens. E olha que o efeito de transportar quem assiste para
esse mundo não é conquistado através de inovações tecnológicas. Quando a
história é boa ela é o suficiente para captar nossa atenção e nos guiar por
outros caminhos. Aliás, a produção foi feita com um orçamento baixíssimo, mas
cada centavo foi bem empregado. Dá vontade de assistir várias vezes apenas para
apreciar cada detalhe da residência ornamentada com objetos típicos do início
do século 20 e cores escuras para acentuar o clima de tristeza e mistério do
local. Merece atenção uma das raras sequências passadas em ambiente com
iluminação mais presente. É quando Grace descobre um sótão repleto de
quinquilharias dos antigos moradores. Sem fazer estardalhaços, a cena
aparentemente tranquila reserva dois sutis sustos de gelar a alma que não
convém revelar. É ver pra crer.
Se na parte técnica este filme é um show a parte, talvez
nunca uma casa mal assombrada tenha sido tão bem representada nas telonas,
Amenábar também não deixa a peteca cair quando o assunto é a condução da trama
e a direção dos atores. Claro que para muitos a premissa deste título não
apresenta nenhuma novidade e até aponte para um final previsível, mas o
interessante é observar como o cineasta orquestra seu suspense. O clima único
que ele consegue estabelecer é de deixar qualquer um de olhos arregalados e com
a aflição de que a qualquer momento algo inesperado poderá surgir, assim quando
chegamos ao ápice da narrativa o que parecia óbvio ganha contornos de surpresa.
O que também difere esta produção de tantas outras com enredos semelhantes é
que o espectador não se encontra em meio a uma montanha russa de sustos na qual
no final das contas percebemos que várias passagens foram adicionadas para
causar sustos gratuitos, mas cujas explicações não convencem ou nem são dadas.
A história é desenvolvida cuidadosamente dosando bem as sequências de arrepiar
com outras cujos diálogos são essenciais para compreendermos o conjunto. Cada
fotograma reserva algo para nos deixar preparados a levar um novo susto, mas o
cineasta é esperto e não utiliza recursos gratuitos para conquistar gritarias.
Com auxílio de fotografia e edição minuciosamente trabalhados, sua preocupação
é envolver ao máximo quem assiste de modo que seja possível sentir calafrios a
cada nova sequência, mesmo que elas não tenham o objetivo de assustar. Na
conclusão, nos deparamos com uma inversão de valores. Sem esmiuçar demais os
minutos finais, digamos que o que comumente consideramos causadores de pânico
neste caso é a vítima da situação.
Nicole Kidman na época do lançamento deste filme vivia o
esplendor de sua carreira. Recém-separada de Tom Cruise, o próprio tratou de
negociar o projeto para ser dirigido por Amenábar e estrelado por sua então
esposa, a atriz já colhia elogios por sua atuação no musical Moulin Rouge
dividindo a opinião dos críticos que não sabiam em qual dos dois longas ela
estava melhor. Aqui ela tem uma interpretação contida inicialmente, mas pouco a
pouco as dúvidas e medos de sua personagem captam a atenção do espectador de
maneira estarrecedora chegando ao ápice desta relação nos minutos finais quando
dificilmente alguém controlará seus impulsos acompanhando o desespero de Grace.
O restante do elenco também desempenha seus papéis de modo exemplar, merecendo
destaque para as crianças, mas principalmente para a atuação de Fionulla
Flanagan que consegue do início ao fim guardar o grande segredo da história.
Seu tom comedido de falar e agir deixa o espectador na dúvida sobre o caráter
da personagem, mas ainda assim enxergamos nela uma bondosa senhora, um trabalho
que alguns críticos na época apontavam como merecedor de prêmios, algo que não se
concretizou. Aliás, o Oscar ignorou completamente a produção não conferindo nem
ao menos indicações pela excepcional parte técnica, injustiças imperdoáveis. Em
suma, Os Outros é um daqueles filmes que lidam com o sobrenatural que marcam
época e dificilmente encontram substitutos. Tinha tudo para ser apenas mais um
trabalho sobre casa mal assombrada a ser esquecido poucas horas depois de
visto, mas consegue ir além e marcar a memória do espectador que certamente
ficará com algumas imagens gravadas na mente mesmo após passarem muitos anos. O
medo aumentou? Encare os seus fantasmas e se dê o presente de assistir a um dos
melhores títulos da primeira década do novo milênio. Quem gosta de um bom filme
certamente não se arrependerá. Às vezes uma sinopse batida rende muito mais que
um enredo mirabolante. Eis a prova.
2 comentários:
Obra-prima do suspense, o final é um dos melhores do gênero.
http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/
Todo mundo sabe de trás pra frente a história desse filme, como você mesmo disse - mas acho verdadeiramente que isso não é um demérito para esse excelente filme, cuja tensão é crescente o tempo todo e o final é simplesmente maravilhoso! Gosto muito desse título, acho que vale muito a pena.
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