A expressão tempo é dinheiro ganhou uma boa
representação cinematográfica pelas mãos do diretor e roteirista Andrew Niccol.
A dica neste sábado é ver a sua visão de futuro em O Preço do Amanhã (2011),
uma eficiente mistura de ação e suspense que de quebra nos faz refletir sobre
como serão as coisas daqui alguns anos. Apesar da embalagem high tech, a
produção se baseia em uma antiga ambição humana: a imortalidade ou até mesmo a
juventude eterna. Já está em pauta entre pesquisadores, sociólogos, cientistas,
políticos, enfim em praticamente todos os setores da sociedade como ficará o
mundo com uma superpopulação, afinal estamos vivendo em uma época em que os
idosos estão vivendo mais e muitas doenças foram erradicadas graças aos
esforços dos campos medicinais. Com menos mortes e muitos nascimentos
diariamente, existe a preocupação se haverá possibilidades de oferecer condições
de vida dignas a tantas pessoas. Neste longa tais assuntos podem ser pinçados
pelo espectador para serem pensados mais tarde, mas no momento em que se está
assistindo o grande tema destacado é a ganância e o sentimento de
superioridade.
A trama se passa em uma época futura, não
determinada, quando as pessoas são modificadas geneticamente para viverem até
os 25 anos. Isso acontece porque pesquisadores conseguiram bloquear o gene do
envelhecimento. Depois do limite de idade estabelecido, todos podem permanecer
com a aparência jovem para sempre o quanto desejarem, isso desde que cada um
pague por esse tempo de vida extra. Assim, as relações capitalistas deixam de
se basear em dinheiro físico e as horas, dias, semanas, anos e até mesmo os segundos,
qualquer fração de tempo torna-se moeda de troca. Nem uma carteira é necessária
ser carregada. Um relógio subcutâneo em um dos antebraços com contagem
regressiva é utilizado para uma leitura digital a cada compra ou serviço
adquirido, além de descontar cada dia vivido. O problema é que apesar dos
avanços as sociedades ainda se dividem entre pobres e ricos. Assim dependendo
da classe social um indivíduo poderia ter uma longa expectativa de vida ou
contar os dias que lhe restam na Terra quando se aproximasse, teoricamente, de
seu derradeiro aniversário. É como se fosse uma alusão a situação
contemporânea. Quem tem dinheiro tem melhores condições de vida e
consequentemente vive mais. Quem não é abastado, bem, os jornais diariamente
tratam de revelar a triste realidade.
É neste mundo em que a imortalidade e
juventude eterna são os grandes objetivos das pessoas que vive Will Salas (Justin
Timberlake), um rapaz que por suas condições profissionais e familiares vive ao
máximo cada dia, afinal está na lista dos que podem contar sem auxílio de
calculadora o tempo que lhe resta. Porém, sua sorte vai mudar completamente,
mas também lhe trazer problemas. Após uma briga em um bar, ele salva a vida de
um desconhecido, Henry Hamilton (Matt Boomer), que está sendo perseguido por
ter praticamente um século de vida ativo em seu relógio. Cansado da pressão que
sofre pela riqueza que carrega, o rapaz abdica da vida e entrega seu tempo para
Will, este que se choca ao descobrir como a sociedade realmente funciona e com
a perda da mãe Rachel (Olivia Wilde). Assim ele resolve declarar guerra ao
sistema e acaba ganhando a companhia involuntária de Sylvia (Amanda Seyfried),
uma moça que se identifica com os pensamentos dele mesmo fazendo parte do time
dos magnatas. A aproximação entre eles não agrada o pai da jovem, Weis (Vincent
Kartheiser), e eles passam a ser caçados pelo agente Raymond Leon (Cillian
Murphy) que já estranhava os sucessivos gastos de Will em uma travessia como se
quisesse fugir. As dúvidas sobre sua idoneidade aumentam quando o corpo de
Hamilton é encontrado. Vendo por esse viés, o dos controles de gastos, encontramos
mais uma analogia com os tempos atuais. Faturas de cartão de crédito, contas
rotineiras e o imposto de renda são ferramentas utilizadas pelos poderosos para
controlar a vida das pessoas e evitar condutas ilícitas, pena que são os
próprios ricos que mais cometem fraudes e os que mais se safam da punição. Os
pobres sempre são os bodes expiatórios que devem sofrer as conseqüências e
servir de exemplo. No futuro idealizado por Niccol os princípios são os mesmos.
O cineasta tem bastante intimidade com a crítica aos chamados avanços
tecnológicos e científicos. É dele a ficção cult Gattaca – A Experiência Genética, foi o primeiro a mostrar o fascínio
dos realities shows no cinema em O Show
de Truman e o próprio criou a figura de uma pop star imaginária em S1m0ne, muito antes de shows
holográficos se tornarem um sonho realizado.
Muito se fala sobre a divisão do longa em dois
atos que aparentemente são perfeitos, mas que quando bem analisados revelam-se
distintos. A primeira parte é a mais elogiada, pois é quando somos apresentados
à curiosa e escravista atmosfera futurista. As pessoas são escravas do tempo e
da vaidade. Quem está com a vida por um fio precisa correr para conquistar seus
objetivos e quem não precisa passa seu tempo ocioso tentando ficar ainda mais
rico ou em outras palavras viver mais. A premissa coloca em destaque temas que
permitem reflexões importantes, inclusive para mudarmos conceitos atuais para
não chegarmos a ter um futuro que é ao mesmo tempo libertário e claustrofóbico.
Embora com vários caminhos interessantes a serem trabalhados, Niccol opta pelo
mais curto e óbvio. O projeto visa atender aos apelos de um público ávido por
adrenalina, portanto o corre-corre típico dos blockbusters americanos toma
conta do segundo ato sobrepondo-se a exploração de um mundo novo e de certa
forma surreal ou apocalíptico. É nessa trilha para a conclusão que a produção
apresenta algumas falhas de continuidade e até situações pouco prováveis, mas
quem se deixou encantar pela originalidade inicial não deve se aborrecer com o
restante do trabalho, afinal ele cumpre bem o que promete: entreter do início
ao fim. E olha que faz isso com qualidade e capricho. Poucos filmes que se
arriscam a traçar um panorama sobre o futuro da humanidade conseguem escapar do
rótulo trash ou evitar os efeitos especiais forçados.
É interessante também observar as diferenças
nas formas do aproveitamento do andar dos relógios. Nos guetos a população faz
tudo com mais agilidade e vive literalmente cada minuto como se fosse o último
enquanto os ricos aproveitam a sua pretensa existência eterna de modo ocioso e
com o medo de se exporem, já que um acidente poderia encurtar ou interromper
tal dádiva. É justamente nesses contrapontos que estão as bases do enredo que o
tornam tão fascinante a ponto de não percebemos que a premissa do protagonista
é uma variação do conto de Robin Hood, roubar dos ricos para dar aos pobres.
Ele quer lutar pela igualdade e a quebra da supremacia, tal qual seu pai tentou
um dia, ou melhor, até seu último segundo de vida. É essa mágoa do sentimento
de impotência que faz com que Will arquitete seu plano. Timberlake defende bem
seu personagem, assim como Amanda, mas ambos não soltam a mínima faísca para
nos fazer acreditar em um forçado clima romântico. Para variar, quem se destaca
no elenco é Murphy que geralmente rouba a cena em todos os seus trabalhos,
muito por causa de seu olhar naturalmente maquiavélico que lhe rende vários
convites para interpretar vilões. Em suma, O Preço do Amanhã é uma opção
perfeita para curtir nas férias, apresentando um visual arrojado e enigmático e
com uma narrativa que diverte apoiando-se principalmente em clichês em sua reta
final. Todavia, vale a pena tentar refletir sobre as mensagens subliminares
deixadas. Entretenimento também pode alimentar o cérebro, ainda que em pouca
quantidade como neste caso.
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