Quando temos bastante tempo livre é a melhor
oportunidade para finalmente criarmos coragem para assistir aqueles tão
comentados épicos do passado. E o Vento
Levou, Casablanca, Gandhi, O Último Imperador e tantos outros certamente
ainda constam na lista de filmes que um dia muitas pessoas desejam assistir,
mas não precisamos fazer uma sessão de choque e mergulhar fundo no baú
cinematográfico. Existem algumas produções de época mais recentes que merecem
uma avaliação melhor por parte do público e que podem dar o empurrãozinho que
faltava para encorajar os cinéfilos que ainda preterem obras com mais de duas
horas de duração. O Senhor dos Anéis e
Titanic são dois exemplos de filmes
classificados como épicos, mas, convenhamos, eles praticamente já fazem parte
da cultura mundial e até mesmo nos confins do mundo alguém deve ter pelo menos
noção do que eles representam. A dica hoje é assistir Austrália (2008), um
grandioso e requintado trabalho que foi achincalhado pela crítica e
consequentemente pelo público. Se nas salas de cinema ele não foi um estouro,
no conforto do lar com o controle remoto em mãos para algumas paradinhas de
descanso o longa pode funcionar melhor e provar que tem seu valor, embora com
ressalvas.
Narrado pelo garoto aborígene Nullah (Brandon
Walters), a história começa no final dos anos 30 nos apresentando à Lady Sarah
Ashley (Nicole kidman), uma aristocrata que deixa a Inglaterra rumo à Austrália
para ir ao encontro de seu marido que se preocupa mais em cuidar da propriedade
rural da família e da criação de gados, porém, ela também desconfia que está
sendo traída. Ao chegar ao continente australiano, Ashley não é recebida pelo
companheiro, mas sim pelo rude vaqueiro Drover (Hugh Jackman), com quem desde o
primeiro momento passa a trocar farpas. Para sua completa surpresa, a dama
descobre que seu marido está morto e que agora terá que tomar conta dos
negócios da família antes que vá totalmente à falência. Ela precisará vender
sua propriedade a um preço muito baixo caso contrário terá que enfrentar King
Carney (Bryan Brown), o responsável pelo comércio de carne da região. Nesse
momento difícil em que toda a população local parece estar contra Sarah,
ironicamente, é Drover quem a ajudará a superar as dificuldades, assim como a inesperada
amizade com Nullah fará com que a aristocrata não se deixe abater. É o garoto
que a alerta sobre um complô armado por gente influente para enganá-la. Essa é
premissa do roteiro escrito por três escritores sob a batuta e a partir da
idéia do próprio diretor, o megalomaníaco Baz Luhrman. Tantas mãos e cabeças
agindo e pensando em um mesmo trabalho precisam estar completamente em sintonia
para o projeto funcionar e é aí que o caldo entorna.
Do início ao fim o espectador deve ficar
extasiado com a beleza das imagens proporcionadas graças a um primoroso
trabalho da parte técnica, o que não é surpresa se tratando de uma obra do
diretor que trouxe a glória dos musicais de volta com Moulin Rouge. Cenários e figurinos perfeitos, belas paisagens, uma
trilha sonora retumbante e para completar um roteiro que não sabe qual caminho
seguir. Sim, isso mesmo, é justamente a mistura de diversos gêneros somados ao
deslumbramento de Luhrman que tornam este épico apenas um passatempo glamoroso,
mas longe de ser um clássico como os da Era de Ouro de Hollywood. As
interpretações em um primeiro momento são um tanto esquisitas, beirando a
caricatura. Depois os atores parecem achar o tom de seus personagens, mas o
enredo que começa cômico vai ganhando ares românticos e de aventura conforme
avança a relação entre a “dama e o vagabundo” em meio a situações típicas de
filmes de faroeste. Mas não para por aí. O drama pede passagem quando a Segunda
Guerra Mundial pede passagem e separa Sarah, Drover e Nullah que a essa altura
formavam praticamente uma família. Sempre quando pensamos que o filme está
acabando lá vem uma novidade para continuá-lo. Surpreender o espectador com
algo do tipo é bem-vindo, mas desde que exista um foco atento à história,
porém, Luhrman parece mais preocupado com o espetáculo.
A mescla de gêneros não deveria soar estranha
afinal a vida de todos são marcadas por eventos tristes e alegres que não
dependem apenas das ações individuais de cada um, mas também podem ser
influenciados por agentes externos. Assim é perfeitamente aceitável que uma
história de amor comece truncada, tenha seu auge e sofra turbulências por conta
de situações insustentáveis, mas Luhrman conduz sua narrativa de forma um tanto
arrastada, embora com algumas passagens bem rápidas e mal resolvidas, e
querendo arrancar poesia de cada fotograma, assim fica difícil imaginar tais
passagens de um casal de forma única. É quase possível termos a sensação de
acompanharmos em um mesmo filme três histórias distintas, porém, protagonizadas
pelos mesmos personagens. Faltou liga à essa mistura que poderia render um
épico com letras maiúsculas. Tal classificação comumente é utilizada para fazer
referência a obras que tenham diversos pontos relevantes, mas devido ao sucesso
das produções de época datadas da década de 1930 até 1960, acostumamos a
rotular como clássicos trabalhos luxuosos, com cenários gigantescos e figurinos
de encher os olhos, longa duração e até mesmo aqueles protagonizados por
estrelas consagradas. Por esses predicados, até que o projeto de Luhrman
poderia ser classificado como um épico ou clássico moderno, mas seu enredo está
aquém de tal honraria.
O casal de protagonistas se esforça para
realizar um trabalho competente, mas quem surpreende mesmo é o garoto
aborígene, não só por sua espontaneidade e carisma, mas também por sua parte no
enredo ser bem mais interessante que a história de amor que não tem nada de
original. Nullah é fruto da mistura de duas etnias, negros e aborígenes, sendo
assim descendente de uma linhagem que há séculos sofre preconceitos. Neto do
Rei George (David Gulpilil), um pajé da região, o garoto é separado de Ashley
para ser educado em um abrigo católico para depois estar apto para ir trabalhar
na casa de famílias brancas, porém, sua sabedoria sobre os mistérios da vida
são muito superiores a inteligência de qualquer caucasiano. A guerra entre
semelhantes colocando a cor da pele e as riquezas materiais como fatores
decisivos para a separação dos povos é o melhor gancho do roteiro, mas também
poderia ser mais bem trabalhado. Se o filme tem bem mais pontos negativos que
positivos, certamente você deve estar se perguntando o porquê de indicá-lo?
Simplesmente porque não devemos reduzir a pó um trabalho que foi feito como
muito capricho e esmero. Há produções bem piores para serem massacradas. Austrália,
como já dito, está longe de ser um grande épico e tampouco um dos melhores
filmes deste início de século, contudo, ele é um bom programa para um
passatempo descompromissado, principalmente para quem aqueles que concordam com
o ditado que diz “uma imagem vale mais que mil palavras”. Luhrman deve ter
pensado nisso ao realizar este projeto caprichando plasticidade, mas bem que
podia ter sido menos generoso na hora de editar. De qualquer forma, uma boa
opção para você tirar suas próprias conclusões afinal existem defensores
ferrenhos deste trabalho. Seriam manifestações dos fãs clubes de Jackman ou
Nicole?
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