As férias estão acabando e muita gente deve estar retornando de viagem
a bordo de um avião. Mesmo depois de tantos desastres reais e também fictícios
para o cinema e TV ainda este é o meio de transporte mais procurado para
viagens longas e o sonho de muitos continua ser fazer um passeio sobrevoando os
mares e continentes acima das nuvens. Os produtores e estúdios já investem no
filão dos acidentes aéreos há muitas décadas tendo sua primeira fase de sucesso
nos anos 70 quando se tornaram populares os filmes-catástrofes, aqueles que
arrasam cidades ou colocam pessoas em risco em ambientes ou situações das quais
aparentemente não há saída. Após o fatídico 11 de setembro de 2001 os aviões
voltaram a ser alvo da lente de cineastas amedrontando a tripulação com vilões
terroristas. Vôo Noturno (2005) poderia ser mais um produto do tipo, mas ele
surpreende positivamente, embora críticas contra não faltem. É um clichê requentado?
Uma proposta boa desperdiçada em uma produção cheia de furos? Mesmo assim você
fica roendo as unhas de tensão? Sim, sim e sim. Digamos que esta é uma opção de
filme B com pedigree. Tem seus momentos incrédulos, mas funciona do início ao
fim muito melhor que algumas superproduções.
A história começa oferecendo todo um clima digno de romance. Dois
jovens que nunca se viram se encontram em um aeroporto por acaso e uma série de
coincidências ocorrem culminando no fato de que eles farão a viagem juntos em
um vôo noturno, conhecido entre os americanos como “Red Eye”, e sentados lado a
lado. Aí eles conversam mais, trocam confidências, se beijam e terminam o filme
com um pretenso final feliz. Errado! A introdução é bem rápida para dar espaço
a uma boa trama de suspense. Lisa Reisert (Rachel McAdams) gerencia um badalado
hotel de Miami e tem pavor de avião, mas cai na lábia de Jackson Rippner
(Cillian Murphy) que se mostra um jovem muito seguro e gentil. A aproximação
não é a toa. O rapaz na realidade arquitetou o encontro. Ele é um criminoso que
planeja a morte do Secretário de Defesa dos EUA, este que se hospedará no hotel
de Lisa. Sua trama é forçar a moça a mandar seus empregados trocarem o alvo de
quarto junto com a família de forma que ficasse mais fácil para que seu bando
os atacasse. Se ela não fizer isso é o pai dela (Brian Cox) quem morre pelas
mãos de outro assassino já a postos.
No conjunto, esta obra nem parece criação do diretor Wes Craven, o
homem que revolucionou o gênero terror nos anos 80 com A Hora do Pesadelo e a década seguinte com Pânico. Depois ele tentou diversificar sua filmografia com o drama Música do Coração e foi surrado pela
crítica por Amaldiçoados, uma
produção legítima e assumidamente trash levada a sério demais pelos espectadores
e, portanto, não causando o efeito esperado. Trabalhando com um thriller sem
monstros ou assassinos mascarados, o cineasta faz as pazes com seu público e
com o cinema apostando no medo psicológico. As vezes é melhor manter a
dignidade com um trabalho no melhor estilo feito para TV do que correr o risco
de arruinar a carreira tentando inovar. Com algumas poucas frases, a narrativa
consegue a proeza de mudar da água para o vinho sem solavancos. O que renderia
uma manjada comédia romântica acaba se transformando em uma convincente trama
um tanto claustrofóbica. Praticamente com um único cenário à disposição, o
interior do avião, Craven consegue criar um clima tenso e intrigante,
principalmente por utilizar enquadramentos bem fechados para captar as expressões
dos atores, mas os méritos também devem ser cedidos ao roteirista Carl
Ellsworth, então um estreante. Até o elenco de apoio, alguns passageiros, tem
sua importância, como uma simpática velhinha que empresta um livro à Lisa, uma
das tentativas da moça em alertar sobre o perigo que corre.
Um dos trunfos desta produção se refere aos protagonistas, muito
convincentes antes do embarque e também depois no interior do avião. Rachel
consegue transformar sua mocinha controlada e paciente do início em uma heroína
que ainda mantém certa calmaria, mas demonstra astúcia para bolar planos para
tentar se livrar do vilão. Murphy ganhou um papel que lhe caiu como uma luva.
Seus olhos claros e grandes são providenciais, uma arma em potencial para
enganar as pessoas e depois surpreender mostrando sua faceta psicopata. Os dois
conseguem segurar a atenção do espectador travando diálogos inteligentes,
embora as situações que se envolvam durante o vôo sejam bastante previsíveis,
como quando uma garota encara Rippner de modo desconfiado, obviamente ela
poderá atrapalhar seus planos, mas o cara é esperto e sempre consegue se safar
e voltar a torturar psicologicamente sua vítima. É preciso ressaltar que a
tensão e a violência contidas nas cenas dentro do avião restringe ao mínimo o
uso de sangue. Em uma sequência, Lisa é repreendida pelo criminoso com uma
cabeçada e sangra um pouco na testa assustando seu algoz, já que um ato como
esse poderia chamar a atenção da tripulação. Pronto. Sem mais ketchup em cena.
O terceiro e último ato é que é o calcanhar de Aquiles da produção,
justamente quando a ação sai do avião e ganha as ruas. Todo o clima proposto
nas duas primeiras partes, ainda que referentes a gêneros opostos, se valiam de
uma atmosfera envolvente. Para a conclusão, Craven optou por sequências de
correrias, tiros, explosões e caras e bocas marcam o conflito entre a heroína e
o vilão, ou seja as trucagens tão comuns nas fitas protagonizadas por
trogloditas como Jean Claude Van Damme e companhia, a diferença é que aqui uma
mulher é que mostra a força e a coragem. Mesmo com alguns erros de
continuidade, a finalização ainda prende atenção, mas desconstrói o conceito de
reciclagem de clichês que o cineasta regia com maestria até então. De qualquer
forma, Vôo Noturno é um passatempo acima da média e que não enrola o
público mais que o necessário. Menos de uma hora e meia são suficientes para um
filme que não tinha muitas opções de caminho a seguir. O enxuto aqui não
significa falta de criatividade e sim inteligência.
Um comentário:
Não conhecia o blog, está muito bom!Vou ler mais um bocado!
vazinho - http://reviewit1blog.blogspot.pt/
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