Poderia uma interpretação excepcional salvar um filme ou
simplesmente ela se mostrar muito maior que a produção em si? É um equívoco uma
grande atuação em um longa parcial e irregular? Nesta quinta-feira a dica é
tirar suas próprias conclusões a respeito de A Dama de Ferro (2011),
um polêmico trabalho que enfoca a trajetória política e pessoal da ex-primeira
ministra britânica Margareth Thatcher, uma das mulheres mais importantes na
História política mundial. Críticos do mundo todo se demonstraram pouco
receptivos ao longa chamando-o de medíocre, fraco, tolo, mentiroso,
manipulador, entre outras tantas coisas nada amistosas. Unanimidade mesmo
somente foi o consenso de que mais uma vez a atriz Meryl Streep deu um banho de
talento e competência interpretando a ilustre personalidade e merecidamente foi
laureada na maioria das premiações da temporada. Ela bateu seu próprio recorde
de indicações ao Oscar chegando a nomeação de numero 17 e surpreendeu
conquistando sua terceira estatueta dourada quando todos, inclusive a própria
atriz, acreditavam que só era questão de tempo para a Academia de Cinema lhe
oferecer um troféu pelo conjunto da obra. Felizmente, os membros votantes ainda
têm um ou outro momento de lucidez e premia quem realmente merece sem pensar na
matemática absurda das vezes que um candidato foi indicado ou sagrou-se
vencedor.
O grande ponto que desagrada muita gente é que o roteiro
de Abi Morgan não se propõe a ser uma muleta para uma aula de História ou de Política
esmiuçando com clareza e imparcialidade o porquê da Inglaterra ter se tornado
uma nação tão próspera e a participação da ex-premiê no conflito da Guerra
Fria. Governante do Reino Unido entre 1979 e 1990, Margareth tinha pulso firme
e decisões próprias, dificilmente alguém a persuadia. No filme, os fatos da
vida pública são contados em paralelo aos acontecimentos de sua vida privada,
mas jamais a protagonista é julgada ou condenada por seus atos. Simplesmente os
episódios são contados pela ótica da protagonista, assim não temos a versão
franca daqueles que eram contra as suas propostas. Embora os casos políticos
expostos sejam vários e ocupem boa parte da trama, infelizmente muitos se
apegaram a idéia de que a diretora Phyllida Lloyd, que já havia trabalhado com
Meryl em Mamma Mia!, quis mostrar um
retrato melancólico e triste apostando em um leve choque. Lembrada pelo seu
governo levado a mãos de ferro, o longa já começa nos mostrando a protagonista
idosa e em uma situação que em nada nos remete as imagens da mulher firme,
corajosa e inteligente que recheava os noticiários do passado. Ligeiramente
corcunda, com vestes simplórias e se espantando com o preço de meio litro de
leite, tal imagem é bastante eficiente para fisgar a atenção, mas curiosamente
causou efeito contrário.
Viva e com a saúde comprometida na época do lançamento do
filme, o público não esperava cenas declaradamente emocionais e focadas na
velhice da ex-governante. Todavia, o recurso dos flashbacks para contar a sua
trajetória é meticulosamente bem utilizado. Dessa forma acompanhamos a
juventude de Margareth pela interpretação de Alexandra Roach, que já
demonstrava nos anos 50 que mudar seu país era seu grande objetivo de vida e
que se um homem quisesse ser seu companheiro deveria entender que jamais ela
seria uma dona de casa exemplar, pois tinha convicção que nasceu para algo
muito maior que lidar com o fogão e levar os filhos à escola. Denis Thatcher,
interpretado na juventude por Harry Lloyd e no fim da vida por Jim Broadbent,
aceita as condições e viveu pouco mais de cinco décadas ao seu lado, até sua
morte em 2003. É interessante o contraste de idéias entre as cenas. Se na fase
jovem Margareth não se importava em entrar em um carro e partir deixando seus
filhos chorando e gritando, na velhice ela reclama que eles cresceram rápido
demais e ela não aproveitou todos os bons momentos. Nesta fase ela sofre com os
constantes esquecimentos e tremedeiras devidos aos avanços do Alzheimer, sinais
que a própria constatou ainda ocupando seu cargo público. Meryl encarna a fase
de meia-idade e também idosa com muito afinco e sem deixar que a impressionante
maquiagem, merecidamente também premiada com o Oscar, sobressaia à sua
interpretação.
Embora muitos condenem a “forçada” aproximação do
espectador a porção mais humana de uma figura que escreveu seu nome na
História, são vários os fatos relevantes de sua vida profissional relatados,
lembrando que alguns podem parecer forjados justamente por estarmos os vendo da
maneira que a protagonista os vivenciou não havendo abertura para o outro lado
da questão. Acompanhamos seus passos iniciais na trilha política até se tornar
a primeira mulher a comandar uma democracia na Era moderna. Com a Crise do
Petróleo que assolou a Grã-Bretanha logo que ela inicia seu mandato, acabou
comprando briga com populares e sindicalistas por causa de seus cortes
orçamentários drásticos e falta de apoio às greves. Seu lema era fazer política
com a razão e não com a emoção e que para atingir o equilíbrio as vezes é
preciso perder um pouco agora para recuperar mais a frente. A teoria funcionou vagamente
para ela. Antes hostilizada, a partir de 1982 ganhou certo prestígio com seu
envolvimento na Guerra das Malvinas, um conflito armado travado com a Argentina
pelo domínio das Ilhas Malvinas, também conhecidas como Falklands, território
que muitos desprestigiavam, mas Margareth tinha certeza que um dia o povo iria
lhe agradecer por ter comprado essa briga e mandado as tropas britânicas à
luta. Até o Exército Republico Irlandês, o IRA, se incomodou com as decisões
polêmicas da então ministra e armaram um atentado como retaliação. Seu terceiro
e último mandato foi iniciado em 1987, época em que se mostrou contrária a
formação da União Européia. Renunciou seu cargo três anos depois já devido ao
início de sua demência, mas o longa retrata sua saída da vida pública de forma
positiva e ovacionada pelo povo. Seu último ato político foi uma celebração ao
fim da Guerra Fria, embate que ela mesma apoiou.
No conjunto, A Dama de Ferro não é o horror que
os críticos propagaram e ainda o fazem. É uma produção bem feita e com uma boa
narrativa que encontra eficientes soluções para expor o necessário sobre a
personalidade homenageada sem se aprofundar na imagem da figura pública, mas
demonstrando um interesse maior em desvendar a figura humana por trás daquela
mulher que ficou conhecida por um semblante quase que blindado. Dessa forma, o
título utiliza a alcunha pela qual ficou conhecida quase que de forma irônica,
ou melhor, dúbia, pois apesar das inúmeras críticas temos em cena sim a mulher
de ferro e a mulher de carne e osso brilhantemente representadas por atuações
de uma mesma atriz, mas com diferenciais impressionantes. Talhado para causar frisson nas premiações, o
projeto corre o risco de com o passar dos anos acabar ficando conhecido tal
qual A Escolha de Sofia, “o filme que
deu o Oscar a Meryl Streep”. Todavia, são vários os exemplos de filmes acerca
de fatos político-históricos que chegam a torrar a paciência do espectador com
tantos detalhes. Esta obra ao menos tem o mérito de levar o assunto nas doses
certas para atingir um público mais amplo e instigá-lo a conhecer mais sobre
quem foi e a importância de Margareth Thatcher não só para a Inglaterra como
para o mundo todo, afinal suas idéias certamente fizeram e ainda fazem a cabeça
de muitos. Como dito antes, o filme não se propõe a substituir uma aula. Quer
saber mais? Procure em livros e na internet, certamente a descoberta dos
detalhes que o filme omitiu ou atenuou terão um gostinho bem melhor do que se
fossem entregues mastigadinhos no roteiro.
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