O programa oficial de qualquer sexta-feira 13 é curtir um
bom filme de terror e a dica de hoje é um trabalho que não é excepcional, mas
também está longe de ser o lixo que a crítica tratou de propagar, mas fazer o
quê se a própria distribuidora tratou de manchar a imagem do seu produto
postergando sua estréia no Brasil pro quase dois anos. O Massacre da Serra
Elétrica (2003) é uma refilmagem que ao mesmo tempo em que é um caça-níquel
também presta uma homenagem e não mancha a imagem da obra original lançada em
meados dos anos 70, um dos filmes de terror mais viscerais de todos os tempos.
O produtor Michael Bay, especialista em lançar blockbusters, bateu o pé até
conseguir fazer um remake digno da produção homônima assinada por Tobe Hooper. Antes, ao
menos outros dois títulos tentaram lucrar em cima do assassino Leatherface
(cara de couro), inclusive uma dirigida pelo próprio Hooper se divertindo
tirando um sarro do próprio trabalho que criou investido no estilo trash.
A introdução começa com uma pegada documental. Imagens em
preto-e-branco de fotos, recortes de jornais e um vídeo investigativo da
polícia tratam de colocar o espectador em contato com o clima de tensão. Em
seguida a narrativa volta no tempo para acompanhar o pesadelo que se tornou a
viagem de um grupo de jovens pelo Texas. No meio do caminho eles encontram uma
garota pedindo socorro que acaba se suicidando dentro do carro deles. Ao
tentarem pedir socorro na cidade mais próxima, esta turma não tem idéia da
armadilha em que caíram. Um a um, todos passam a ser vítimas de Leatherface
(Gunnar Hansen), um maníaco descontrolado que usa uma horripilante máscara
feita de couro humano e esquarteja corpos usando uma moto-serra. Apesar de ele
ser uma ameaça, Erin (Jessica Biel), uma das jovens em perigo, descobre que os
poucos habitantes daquela desértica região não sentem medo dele, o que denuncia
que há algo muito estranho acontecendo por lá. Por este resumo não é difícil
imaginar o que acontece durante todo o filme. Correria, gritos de agonia,
respirações ofegantes e muito sangue, os ingredientes básicos de um filme de
serial killer. A diferença é que aqui temos mais um instrumento de tortura: o
som arrepiante e inesquecível da serra elétrica.
O diretor Marcus Nispel, experiente na área de videoclipes e
que futuramente também seria o responsável pelo remake de Sexta-feira 13, sabia
que tinha um grande desafio pela frente lidando com uma obra cultuada, com um
terror cru e realista e que surgiu em uma época em que o público estava ferido
por causa das atrocidades que as guerras proporcionavam como os famosos
conflitos do Vietnã. Até um jantar antropofágico (gente comendo carne humana)
havia. Como trazer este clima de horror e perturbador para o século 21? Colocar
o vilão como um parente distante de Osama Bin Laden? O cineasta foi inteligente
o suficiente para descartar as possibilidades de ligar o enredo a algum
problema histórico, mantendo-se fiel ao contexto sociológico do enredo.
Leatherface é um anti-herói. Nascido com deformidades na face, ele foi criado
por uma família rude e esquisita que não lhe ensinou os princípios básicos para
que pudesse viver em sociedade. Tais explicações não oferecidas mastigadas ao
espectador, mas é fácil deduzir que tipo de educação foi dedicada ao vilão a
julgar pelas atitudes das pessoas que o cercam. Considerado um monstro
fisicamente, ele foi educado a odiar a sociedade que mede o valor de uma pessoa
pela maneira de se vestir ou beleza, assim, qualquer um que pise em seu
território está com seu triste fim traçado. Curiosamente, as explicações sobre
o passado do personagem não são esmiuçadas aqui, mas em um prequel lançado
cerca de quatro anos depois mantendo parte do elenco original e este sim
recorrendo ao contexto histórico para tentar sustentar uma história que nada
mais é que um novo banho de sangue.
Muitas especulações existem a respeito da história real e
bizarra que originou o filme. A cada vez que é contada um novo detalhe é adicionado.
Em geral, a versão mais aceita é de que a obra é inspirada em Ed Gein, um
fazendeiro que passou boa parte de sua vida morando com a mãe e não suportou a sua
falta quando ela faleceu. Como forma de compensação, passou a atrair mulheres à
sua casa, embora não fosse atraente, e vitimá-las usando moto-serra ou qualquer
outra ferramenta de corte, guardando como suvenires restos dos corpos como
dentes, cabelos e unhas. Outros já acreditam na hipótese de que realmente um
homem deformado vagava pelas regiões mais afastadas dos Estados Unidos e
promovia verdadeiras chacinas quando visitantes indesejáveis invadiam seu
território. Também há quem diga que a polícia chegou a assassinar um mascarado
do tipo, mas que os moradores locais afirmavam que era o homem errado e que a
onda de assassinatos continuava. Verdadeiros ou não, o fato é que os boatos fizeram
história no cinema e até mesmo na literatura. Hannibal Lecter, o famoso canibal
de O Silêncio dos Inocentes é uma variação com mais classe do vilão. Michael Myers
de Halloween é mais uma versão sanguinolenta do assassino. Por fim, para
comprovar que nada é impossível, Wolf Creek – Viagem ao Inferno mostrou que em
uma região desértica da Austrália existiu sim um assassino psicótico
aterrorizando turistas desavisados.
Muitos podem acusar o remake de ser fruto de oportunismo e
que é um remendo de filme, mas provavelmente quem diz isso é porque ainda deixa
que o preconceito reja seus pensamentos. Nispel não fez história como Hooper,
mas tampouco achincalhou o original. Com boa dose de adrenalina e excelente
edição e fotografia, o diretor conseguiu criar uma atmosfera horripilante e
digna. A idéia do longa, resumidamente, é mostrar corpos sendo esquartejados,
mas aqui temos certo capricho para construir o clima de tensão e mostrar a
matança propriamente dita. Ainda assim, a produção guarda em seu visual
elementos nostálgicos que acentuam a tensão e passam longe do terror
glamourizado. Outro ponto positivo é o elenco. Embora boa parte dos atores
fossem bem jovens e desconhecidos (Jessica Biel apareceu para o grande público
aqui), as interpretações são bem acima da média e dá até para sentir a dor que
os mesmos sentem quando estão em perigo. O tempo passou, mas esta versão de O
Massacre da Serra Elétrica continua sendo um título que desperta suspeitas. A
quem se interessar a assistir a dica é esquecer a obra setentista e focar a
atenção no que está em cena. A refilmagem é datada de uma época em que pouca
coisa assustava e era preciso ser criativo para segurar o espectador. Hoje a
situação deve ser até mais grave. De qualquer forma, se o enredo tem alguns
deslizes e muitos clichês, a plasticidade da produção compensa em dobro. Vale a
pena conhecer ao menos para você ter sua própria opinião.
Um comentário:
Concordo com você: não se trata de uma obra-prima, mas não é o fracasso que tentaram propagar. Gosto do filme, acho que ele tem potencial, apesar de haver bastante falhas. E acho que há pelo menos dois personagens com um bom sex appeal, o que ajuda o filme a cativar o espectador, hahsahsa.
Bom texto.
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