A estrutura básica de uma comédia
romântica é composta por um casal bonito e charmoso, uma ou duas pessoas que
surgem para atrapalhar esse amor, muitos conflitos, fofocas e micos para encher
linguiça e por fim o tão esperado beijo e a declaração de amor destes jovens
apaixonados que ainda podem subir ao altar para fechar com chave de ouro este
filme-clichê que tanto faz a alegria de milhares de espectadores que adoram
sofrer com os personagens, mesmo sabendo que no fim o amor prevalecerá. Uma
estrutura similar é a base de Alguém Tem Que Ceder (2003),
produção que traz como grande diferencial o fato de ser protagonizada por duas
pessoas maduras redescobrindo o prazer de viver através do amor. Na época os
adolescentes e jovens com idades até cerca de 30 anos se viam representados nos
cinemas por atores como Jennifer Anniston e Mark Ruffallo, mas a turma mais
velha não se identificava com personagens se apaixonando pela primeira vez ou
buscando o amadurecimento e a responsabilidade através do matrimônio afinal já
passaram por tudo isso. Assim não é de se estranhar o sucesso com os
espectadores cinquentões ou de mais idade que resultou o reencontro de Jack
Nicholson e Diane Keaton quase vinte anos depois deles atuarem juntos pela
primeira vez no filme Reds.
Para falar de amor na terceira idade e
contando com uma história que mexe com a alma feminina, nada melhor que uma
mulher já vivida na direção. Nancy Meyers há décadas acumula experiência atrás
das câmeras e na redação de roteiros sempre optando pelas comédias românticas,
mas constantemente seus trabalhos eram recepcionados de forma fria pela
crítica, mas encontravam refúgio nos braços do público. Após o sucesso Do Que as Mulheres Gostam, no qual a
cineasta arriscou-se a colocar Mel Gibson usando acessórios femininos e com uma
sensibilidade ímpar para quebrar sua imagem de ator de filmes de ação e
suspense, aqui ela não teve mede de colocar Nicholson como um sessentão
mulherengo e Diane exibindo um pouco mais de seu corpo, embora apareça em cena
bem mais tempo vestindo roupas recatadas. Por mais previsível que seja a
história, o talento e o carisma dos atores envolvidos pode dar uma injeção de
ânimo de forma que qualquer roteiro batido ganha ares de novidade, como neste
caso em que os nomes de dois veteranos de prestígio atrelados a produção tratou
de convencer o público de que valia a pena descobrir como andava a vida amorosa
dos mais vividos. E ainda essa descoberta é válida.
Harry Sanborn (Nicholson) é um sessentão
que recusa a se comportar como alguém de sua idade e adora flertar com
jovenzinhas. No momento ele namora com Marin (Amanda Peet) com quem irá passar
um final de semana na casa de praia da mãe dela, a escritora Erica (Diane), uma
mulher que há anos vive sozinha e dedica praticamente todo seu tempo ao
trabalho. Quando o empresário do mundo da música está certo que poderá
aproveitar ao máximo a companhia da namorada ele é surpreendido com a chegada
da sogra e da irmã dela, Zoe (Frances McDormand). Tentando manter a educação,
Erica tenta conviver com o possível genro da melhor maneira possível, mas
obviamente críticas e desconfianças são inevitáveis, porém, o pior está por
vir. Harry sofre um infarto e se vê impedido de voltar para sua casa, sobrando
para Erica a responsabilidade de cuidar do doente já que é a única que teria
disponibilidade de tempo para ficar no litoral. Além de lidar com essa
constrangedora situação, esta mulher ainda terá que dar um jeito de escapar das
cantadas do médico de Harry, o jovem Julian (Keanu Reeves). No entanto, o
convívio entre estas duas pessoas vividas, inicialmente conturbado, acaba
fazendo bem aos dois. Harry e Erica sentem-se balançados um pelo outro e assim
ele passa a aceitar que envelheceu e que uma companheira de idade próxima a sua
seria muito melhor e ela, por sua vez, descobre que ainda pode ser desejada por
um homem. Contudo, até que a ficha dos dois caia muita coisa pode acontecer.
A grande piada desta comédia, no bom
sentido, é acompanhar duas pessoas maduras e experientes comportando-se quase
como adolescentes trocando olhares, provocações e até rolando ciúmes, mas sem
mostrar os personagens de forma ridicularizada, embora situações
constrangedoras para eles vivenciarem não faltem. Apesar do sentimento latente
de ambas as partes, os dois são osso duro de roer e tentam de todas as formas
fingirem que não ligam a mínima pelo que faz ou deixa de fazer o outro, porém,
mais cedo ou mais tarde alguém tem que ceder literalmente e dar um passo
importante para consolidar esse romance. Apesar de o humor dar a tônica deste
longa, o roteiro também abre espaço para momentos de reflexão mostrando que a
terceira idade tem seus atrativos e que o amor pode acontecer em qualquer etapa
da vida. É justamente quando os protagonistas se dão conta dos sentimentos que
cultivam um pelo outro que o filme perde um pouco o ritmo seguindo a trilha de
um romance tradicional e abandonando o tom humorístico da obra, porém, jamais se
tornando enfadonho, se bem que uns vinte minutos a menos na duração viriam a
calhar.
Quando vemos dois veteranos atuando com
tanto vigor como neste caso certamente ficamos com um algo a mais na memória para
pensarmos que simplesmente as lembranças do filme. Temos inúmeros exemplos de
atores que fizeram muito pela indústria de cinema americano, mas a própria Hollywood
virou as costas para esta pessoas quando julgou que elas eram dispensáveis
devido a idade avançada. Nicholson e Diane colheram elogios por suas
performances, ela inclusive foi indicada ao Oscar, mas depois deste trabalho os
holofotes começaram a se apagar para ambos. Ele fez mais uns dois projetos de
relativo sucesso, mas sua presença nas telonas é cada vez mais rara. Sua
companheira, por sua vez, já estava se habituando a ser a queridinha das mamães
e vovós e seus filmes se adaptarem melhor em exibições caseiras e a esta
realidade ela retornou após muitos aplausos por Alguém Tem Que Ceder uma
agradável opção para curtir em um domingo a tarde. No conjunto, uma comédia
romântica que se destaca em meio a tantas babaquices protagonizadas por atores
bonitinhos, mas que não tem um terço do talento e carisma dos intérpretes de
Harry e Erica para sobreviverem a tantas décadas em evidência.
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