Ser piegas é um
grande problema no mundo do cinema e mesmo quando um filme não termina com um
felizes para sempre não escapa de ser criticado negativamente de abusar dos
clichês em sua narrativa. É curioso observar a repulsa que sofreu O
Menino do Pijama Listrado (2008) quando estreou. O diretor e roteirista Mark Herman, de Hope Springs – Um Lugar Para Sonhar, adaptou o best-seller homônimo
de John Boyne com o desafio de equilibrar a emoção e a crueldade contidas nas
páginas do livro e conseguiu um resultado para partir os corações até dos mais
insensíveis e deve ser neste objetivo que encontramos as explicações para seu
relativo fracasso. Para o espectador de fim de semana, sair do cinema
entristecido é coisa para metidos a intelectual e estes, por sua vez, colocaram
expectativas demais em cima das adaptações literárias e se geralmente se decepcionam.
É sempre bom lembrar que quando lemos um livro criamos a nossa própria visão da
história em nossa mente, mas quando os escritos se tornam imagens reais estamos
acompanhando a versão sonhada por um diretor que também não realiza tudo da
forma como deseja tendo que adequar seu projeto a questões de orçamento,
publicidade, produção entre outras coisas. Todavia, Herman concluiu um belo
trabalho que ainda muitos precisam tomar coragem para encarar e outros devem
rever para esclarecer certos pontos.
A
Segunda Guerra Mundial é sem dúvida um dos períodos históricos mais explorados
pelo cinema e já é bastante batida a idéia de mostrar os horrores da época
através do olhar ingênuo de crianças, algo que a crítica especializada não
aprova condenando a manipulação que é exercida sobre o público. Por outro lado,
o recurso ainda funciona com boa parte dos espectadores, tanto é que este filme
se deu muito melhor com o passar dos anos e sua popularização feita a base do
boca-a-boca que, inevitavelmente, trata de revelar a amarga conclusão que serve
para aguçar ou esfriar os ânimos dos curiosos. No fundo, esta revisitação do
conflito Holocausto versus infância, crueldade versus inocência guarda pontos
semelhantes ao mundialmente famoso A Vida
é Bela, colocando um garoto no centro da narrativa que não faz idéia das
atrocidades que ocorrem à sua volta e acredita que quase tudo na vida se resume
a brincadeiras. Em meados dos anos 40, na Alemanha, Ralf (David Thewlis), um
oficial nazista, assume um cargo em um campo de concentração e isto faz com que
ele e sua família deixem Berlim para irem viver em uma área desolada onde o
pequeno Bruno (Asa Butterfield), seu filho mais novo, não está se adaptando a
rotina pacata e sem amigos. Ele é obrigado a tentar se divertir sozinho e não
pode sair dos arredores de casa, assim sua maior diversão é tentar descobrir o
que acontece em um campo cercado que ele observa da janela do seu quarto.
Certo
dia, por acaso, Bruno acaba se aproximando do curioso local e conhece Shmuel
(Jack Scanlon), um garoto judeu aproximadamente de sua idade que sempre está
vestido com uma roupa listrada e próximo a cerca. O alemãozinho acredita que
todos que estão atrás dela estão trajando pijamas e que as crianças têm total
liberdade para se divertirem enquanto seus pais, os “fazendeiros”, trabalham. O
judeu, ao contrário, tem completa noção de sua triste realidade. Bruno
passa a visitá-lo frequentemente, surgindo entre eles uma amizade, mas o garoto
nem imagina o que se passa naquele local e muito menos dentro de sua própria
casa. Sua mãe Elza (Vera Farmiga) faz de tudo para esconder a verdade do filho,
mas seu pai não se importa em ser cruel com as pessoas que cercam o lar de sua
família e não pensa nas consequências de seus atos. Porém, como diz o ditado,
aqui se faz, aqui se paga. É
impossível não se envolver com a bonita história de amizade de dois meninos
semelhantes, mas com uma diferença gritante para a política e sociedade da
época. A idéia de estarem separados por uma cerca deixa explícita a ruptura
existentes entre os povos da época como se de um lado estivessem os nobres e do
outro a plebe, bem ao estilo de castas dos tempos medievais, mas ainda um
modelo de sociedade preconceituosa que perdura até hoje em menor ou maior grau
em todos os lugares do mundo.
Esta
produção é daquelas em que a fotografia e a edição não são meros elementos
técnicos, mas são essenciais para a compreensão do enredo e transformá-lo em
algo universal. Por exemplo, pelo que aprendemos na escola, podemos criar a
idéia de que todo e qualquer alemão legítimo representante da raça ariana era
conivente com os atos cruéis do Holocausto, mas a personagem de Vera Farmiga
está aqui para provar o contrário. No início a mãe parece saber demais e
protege seu filho da verdade, mas pouco a pouco percebemos que nem ela própria
tinha noção do trabalho do marido. Quando descobre o quanto Ralf é cruel ela se
revolta, mas já é tarde para livrar a sua filha Gretel (Amber Beattie) da
admiração pelo nazismo. Com esse contraponto, a produção escapou de participar
de um furacão ainda maior de críticas negativas, afinal poderia correr o risco
de ser tendenciosa e ser repudiada em alguns países. Se para entendermos estas
peculiaridades históricas precisamos prestar atenção no desenvolvimento dos
personagens, as imagens criadas para mostrar a relação de amizade entre o
garoto cristão e o judeu é que são essenciais. Claro que os diálogos que travam
são emocionantes e realçam a dura realidade de um e a fantasia do outro, mas
quando os vemos lado a lado separados pela cerca percebemos em suas
caracterizações mais alguns pontos que reforçam a idéia de que vivem em grupos
sociais distintos, desde o figurino, passando pela postura e até a ambientação.
Cabe também lembrar da ironia imposta. Bruno tem o direito de ir e vir em uma
área repleta de vegetação, mas ainda assim se sente preso e solitário, porém,
acredita que Shmuel é que tem sorte por poder brincar o dia todo e usar roupas
confortáveis, embora o garoto esteja sempre sozinho e com ar cabisbaixo.
O
grande trunfo de O Menino do Pijama Listrado está em não querer chocar o
espectador. Não é preciso mostrar explicitamente pessoas morrendo para termos
noção das atrocidades do Holocausto, afinal todos com um mínimo de escolaridade
ou conhecimentos cinematográficos já sabem (ou ao menos deveriam saber) um
pouco sobre os atos cruéis aos quais milhões de inocentes foram submetidos.
Herman sutilmente insere elementos ou diálogos com os quais concluímos o triste
fim dos judeus. Por outro lado, a opção em centrar o foco no drama das
crianças, embora funcione muito bem, acaba criando a sensação de que a produção
se resume a mais do mesmo. Todavia, aqui veremos mais uma pequena fração do que
foi a Segunda Guerra Mundial que somada a lembranças de outros filmes acaba por
compor um painel importantíssimo da história do mundo. Aproveite as férias para
ver pela primeira vez ou rever este belo e emocionante drama que hoje distante
do calor de seu lançamento pode ser apreciado mais profundamente e livre das
pressões impostas pelo mercado, afinal todos sabemos que um final que não poupa
o emocional do espectador dificilmente renderia milhões. Nem todo best-seller
resulta em um campeão de bilheteria, mas toda boa história é atemporal e merece
ser apreciada.
2 comentários:
Não acho que esse filme quebre o coração até dos mais insensíveis, como você disse. Apenas dos sensíveis demais, já que a obra é conduzida com tal proselitismo que é difícil gostar dela se a observar com o mínino de racionalidade. Tudo é indutivo demais e nada é natural, foi bastante criticado justamente por esse seu caráter duvidoso de narrativa.
Belo filme, conduzido com simplicidade, mas que não alcança o mesmo nível de emoção e impacto do livro.
http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/
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