Todos os anos ao menos uma produção pequena e que
possivelmente passaria pelos cinemas em brancas nuvens é acolhida pela alta
temporada das premiações e ganha um gás em sua campanha de divulgação. Ter
George Clooney como protagonista é um bônus a mais em Os Descendentes (2011),
mas o que chama a atenção em seus créditos é o nome Alexander Payne, diretor e
roteirista que ainda pode vir a ser conhecido como uma grife cinematográfica
tal qual Woody Allen ou os irmãos Coen. Este profissional teve uma ascensão
rápida na carreira, embora em pouco mais de uma década tenha se envolvido em
apenas quatro projetos. Para ele vale mais qualidade que quantidade. Seu nome
ganhou a atenção dos holofotes timidamente com a pequena projeção que tiveram A
Eleição e As Confissões de Schmidt, mas ganhou brilho quando Sideways – Entre
Umas e Outras conquistou indicações importantes para o Oscar, embora muitos
considerem que os críticos ficaram embriagados com a tal viagem etílica
proporcionada pelo cineasta. Na realidade, enquanto muitos quebram a cabeça
buscando a fama através do emprego cada vez maior de tecnologias nas filmagens,
Payne segue o caminho inverso. Minimalista e emotivo, histórias e personagens
são suas matérias-primas e talvez esses sejam também os empecilhos de seus
projetos que acabam encontrando injustamente resistência por certa parte do
público que ainda liga a idéia de prêmios apenas as superproduções.
Após cerca de sete anos da superexposição de sua pequena
obra de arte sobre os altos e baixos da vida em meio a um cálice de vinho e
outro, Payne mais uma vez se mostra interessado em refletir sobre os problemas
de pessoas comuns e consegue realizar um drama que não nos faz chorar ou nos
emocionar ao extremo, pelo contrário, até nos faz rir em alguns momentos. É
difícil contar uma história extremamente crível e que flerta com dois gêneros
opostos, mas ambos fazem parte da vida de qualquer ser humano e este criativo
profissional consegue captar com maestria pequenos detalhes do cotidiano de
seus personagens que a identificação com o público acaba sendo inevitável. Para
turbinar ainda mais a carreira de seu longa, o cineasta ainda conseguiu
recrutar Clooney para protagonizar seu trabalho, um ator cada vez mais em
evidência em Hollywood que tinha tudo para viver confortavelmente de papéis
tolos em produções repetitivas, mas ele não quis para si o título de mocinho
honorário das comédias românticas e está sempre em busca de desafios. E talvez
não exista prova de fogo maior para um ator que simplesmente interpretar com
perfeição um indivíduo comum, o que justifica os elogios e prêmios que recebeu.
Clooney interpreta o advogado Matt King, um homem que sempre
se dedicou muito ao trabalho, vive no Havaí, é casado há muitos anos, tem duas
filhas e possui uma conta bancária generosa, enfim a vida perfeita que qualquer
um sonharia. Errado! Quando sua esposa Elizabeth (Patricia Hastie) sofre um
grave acidente e fica em coma, King começa a ver que não sabia de tudo que se
passava em seu próprio lar. Ele se dá conta que se dedicava demais ao trabalho
e pouco à família, o que acabou o afastando das filhas Scottie (Amara Miller),
a caçula que não anda se comportando bem na escola, e Alexandra (Shailene
Woodley), a mais velha que recusa qualquer gesto de carinho ou preocupação do
pai e ele logo descobre o porquê dessa repulsa e da briga entre ela e a mãe que
já durava alguns meses. A garota sabia que ela tinha um amante. Transtornado
por saber que Elizabeth desejava o divórcio e que agora suas filhas dependiam
unicamente do pai, King resolve levar a vida adiante de forma digna, assim ele
decide descobrir quem era seu rival ao mesmo tempo em que precisa lidar com as
negociações envolvendo um terreno herdado de seus antepassados, uma tarefa que
acaba o aproximando de seus primos que estão de olho no que podem faturar. O
entrecho sobre a venda das terras justifica o título deste trabalho, mas também
pode fazer uma alusão ao que King quer deixar para suas filhas, riquezas
materiais ou emocionais? Nessa jornada para ajeitar sua vida, este homem terá a
oportunidade de reavaliar seu passado e repensar seu futuro a tempo de reconquistar
o amor e a confiança de suas meninas.
Adaptado do livro homônimo escrito por Kaui Hart Hemmings,
Payne contou com a colaboração de Nat Faxon e Jim Rash para construir um
roteiro simples e eficiente, seguindo a tradição dos projetos independentes que
sempre surgem como as grandes apostas quando os enredos são julgados. Não é a
toa que papou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Mesmo sem contar com cenas
avassaladoras ou reviravoltas inacreditáveis, o longa cativa o espectador da
forma mais honesta possível apostando em uma narrativa mais tradicional que
encontra apoio na suavidade para expor até mesmo os pontos mais críticos da
história, como a questão da traição ou do conflito entre mãe e filha. O grande
ponto de destaque é observar como os personagens vão se adaptando a suas novas
realidades de maneira natural e crível. King, por exemplo, sofre ao saber que
foi traído, mas não pensa em se vingar da esposa devido seu estado de saúde
delicado. A solução então seria no ápice da raiva sair por aí quebrando tudo
que se vê pela frente? Não. O personagem vai pouco a pouco se acostumando a
lidar com seus problemas e anseios, ou seja, evoluindo como ser humano. Assim
como o protagonista, todos os demais personagens carregam algum conflito ou
características que os aproximam de pessoas de verdade e não é de se estranhar
o interesse e a intimidade que eles geram nas platéias. Além de deixar os
estereótipos de lado, é interessante observar que nesta produção somos
surpreendidos não por um grande momento nos minutos finais, mas ao longo de
toda a narrativa pequenos detalhes como uma troca de olhares ou um diálogo
tratam de nos comunicar que a compreensão entre as pessoas se estabeleceu, como
no caso de Alexandra que teimava em dizer que era diferente da mãe e a
enfrentava, mas que precisou vê-la quase sem vida em cima de uma cama para
repensar a relação que teve com ela.
Para quem se prende muito a idéia de que indicações a
prêmios é sinônimo de filme excepcional e com qualidades que vão muito além da
nossa imaginação, certamente se decepcionará com este filme. Sim, talvez os
críticos de cinema tenham exagerado nos elogios e colocado a produção em um
patamar acima do que realmente mereça, mas pensando bem devemos encarar esse
positivismo como algo bom. Em tempos em que imagens e sons de tirar o fôlego
dominam o mercado cinematográfico (entenda-se Hollywood), é louvável que
trabalhos menores sejam reconhecidos pelos esforços de seus realizadores em
tentar fazer uma produção diferenciada e contando com os elementos mais básicos
para se fazer cinema. Emoção, talento e história boa são indispensáveis, mas
Payne vai além em seu minimalismo e não se deixa levar nem mesmo pelas belas
paisagens havaianas, optando por apresentar a região por uma ótica mais urbana
e pouco conhecida, rendendo-se aos clichês visuais somente no final. A primeira
vista pode parecer que Os Descendentes é mais um daqueles projetos cabeça que
são feitos para poucos apreciarem, mas não se engane. De fácil digestão e
compreensão, a produção, no fundo, é apenas uma forma menos piegas de entregar
ao público mais um filme edificante daqueles que nos ajudam em certos momentos
da vida e que as vezes espantosamente parecem talhados para atender nossas
expectativas. Popularmente dizemos que é preciso errar para nos aperfeiçoarmos
e é exatamente essa a mensagem do longa. Nos momentos de crise é que
descobrimos quem realmente somos e nossas capacidades. Assista e reflita.
Um comentário:
Belo filme, leve, singelo em diversos momentos e engraçado em outros. George Clooney está ótimo.
http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/
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