Os gênios incompreendidos sempre intrigaram a ciência e
fascinaram cineastas que enxergaram em diversas histórias verídicas um material
fértil para ser transformado em filmes. Curiosamente, um dos trabalhos mais
lembrados do tipo nasceu das mentes de dois jovens completamente sadios, mas
que se achavam verdadeiros peixes fora d’água no mundo em que viviam. Os hoje
mundialmente famosos Matt Damon e Ben Affleck já se conheciam desde a infância
e batalharam paralelamente pelos seus espaços no mundo do cinema, mas até
meados dos anos 90 só recebiam convites para produções convencionais e na
maioria das vezes nas quais os jovens eram retratados de modo estereotipado ou
debochado. Juntos eles resolveram criar o próprio roteiro dos sonhos, onde
teriam a chance de retratar a geração a qual pertenciam de maneira mais
realista, uma turma que tem sonhos, dúvidas, raiva, amor e inteligência, mas
que nem sempre encontra apoio para mostrar seus talentos ou ser o que gostaria.
O destino ajudou e os escritos chegaram às mãos do ator Robin Williams que fez
a ponte para transformar o sonho dos dois rapazes em realidade. Assim começou a
trajetória de sucesso de Gênio Indomável (1997), longa que enfrentou com
bravura a pressão do Titanic nas principais premiações do período chegando a
ser apontado como um forte candidato as principais categorias do Oscar.
A trama gira em torno de Will Hunting (Damon), personagem
cujo nome é o título original da obra. O rapaz trabalha como faxineiro em uma
conceituada universidade, mas seu comportamento arredio, sempre se metendo em
brigas, respondendo com agressividade e se entregando a bebedeiras acaba por
levá-lo à cadeia. É nessa fase que o matemático Gerald Lambeau (Stellan
Skarsgard) descobre que o adolescente é dotado de uma Inteligência assombrosa.
Mesmo sem nunca ter frequentado as aulas do ensino superior ele é capaz de
resolver complexas equações matemáticas que alguns estudiosos da área levaram
anos para chegar ao resultado final. O professor sabe que sua descoberta tem
potencial para ser reconhecido como um novo gênio, mas precisa domar o rapaz
antes de mais nada. Sabendo que Hunting não tem apoio familiar, o próprio
Lambeau decide ajudá-lo a sair da prisão, mas impõem certas condições. Além de
estudar matemática com ele, o ex-presidiário também deverá se submeter a um
tratamento psicoterapeuta, mas ele simplesmente consegue tirar do sério todos
os profissionais que consulta com sua língua afiada e raciocínio rápido.
Após várias tentativas, finalmente Sean Maguire (Williams),
um homem que ainda sofre com tristezas de seu passado, consegue ser o terapeuta
que doma o gênio, mas isso porque foi muito persistente. O primeiro encontro
entre médico e paciente acabou em discussão, mas pouco a pouco se estabeleceu
uma relação de amizade entre os dois e assim Hunting encontra o apoio
necessário para reavaliar suas atitudes e questionar seus valores. Durante esse
período de tratamento a mais nova mente brilhante acaba se apaixonando por
Skylar (Minnie Driver), uma estudante de medicina de boa família, mas o que era
para ser uma alegria acaba se tornando sofrimento. Ressentido ainda pela
rejeição que sofreu dos pais, Hunting percebe que o medo de ser abandonado por
quem ele se afeiçoa é seu principal problema, assim ele não consegue se
entregar totalmente ao amor, o que o desestrutura em outros aspectos de sua
vida. Um pupilo com capacidades intelectuais impressionantes tendo seu destino
mudado através da ajuda de uma espécie de mentor já era na época um tema
bastante clichê do cinema, mas o roteiro inteligente consegue dar um novo gás à
premissa fugindo de situações previsíveis e esquemáticas para levar o
espectador às lágrimas gratuitamente. As sutis mudanças dos personagens tratam
de envolver quem assiste de modo que não percebemos as transformações de modo
repentino. Tudo é desenvolvido na base da emoção e da força dos diálogos,
principalmente os travados entre Damon e Williams, este surpreendendo com a
introspecção e dramaticidade de seu personagem, trabalho merecidamente
recompensado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
O cineasta Gus van Sant na época colecionava trabalhos
elogiados com temáticas inquietantes e que afrontavam aspectos sociais e
morais, como Drugstore Cowboy e Garotos de Programa, por isso seu nome já era
famoso em festivais e entre cinéfilos. Porém, sua fama extrapolou os limites
dos campos mais intelectuais com esta sua obra que não esconde seu caráter
edificante e por isso mesmo divide opiniões. Para uma turma mais conservadora,
o diretor acabou neste caso se rendendo às fórmulas manipuladoras do cinema americano
e rompendo com seu estilo contestador, mas para um número bem maior de pessoas
ele atingiu o ápice de sua trajetória profissional até aquele momento. Para os
preguiçosos de plantão é muito fácil ler a sinopse e logo rotular este trabalho
como algo no estilo Sociedade dos Poetas Mortos ou tantos outros filmes que
lidam com a relação mestre e aprendiz na qual cada uma das partes tem a vida
enriquecida com as experiências adquiridas com o convívio com a outra,
geralmente pessoas aparentemente sem nenhum vínculo em comum, mas que pouco a
pouco vão descobrindo afinidades, lembranças ou problemas que os conectam. Mas
Sant não faz um cinema comum e prefere se aprofundar nas reflexões e dúvidas de
seus personagens procurando não só nos diálogos transmitir mensagens, mas
também através de olhares, expressões faciais e até mesmo momentos de absoluto
silêncio.
Voltando a falar da dupla que deu o pontapé inicial a este
projeto, quem acompanha a carreira de Damon e Affleck também pode se divertir
encontrando semelhanças propositais entre seus personagens e seus históricos
profissionais, como uma brincadeira envolvendo o filme Procura-se Amy, até
então o trabalho mais relevante da dupla como intérpretes. Aliás, embora
Williams e Damon sejam os nomes mais lembrados da produção, é importante
ressaltar que todo o elenco tem performances muito boas não havendo espaço para
estrelismos, o que confere à obra um realismo mais acentuado, uma
característica dos filmes menores de Hollywood. Vale uma ressalva também ao
trabalho de Minnie Driver, que conquistou uma indicação ao Oscar de
coadjuvante. Sua interpretação é calma inicialmente, mas pouco a pouco sua
personagem marca seu território e tem cenas densas com o protagonista, porém,
os elogios que colheu na época não deixaram sementes e a atriz não conseguiu
mais papéis de destaque depois disso. De qualquer forma, praticamente todo o
elenco ainda está na ativa e atuando em projetos interessantes, mas ainda
destacando em seus currículos Gênio Indomável, uma obra que prova que qualquer
argumento batido pode ainda render muito quando existem mentes criativas no
comando, mas neste caso, muito mais que a inteligência, o que notamos é que o
amor pelo trabalho é que faz o sucesso de qualquer idéia. Com muito esforço
dois jovens praticamente desconhecidos conquistaram a confiança de nomes
importantes do mercado de cinema, como a produtora Miramax, a papa Oscars dos
anos 90, ganharam fama, dinheiro e a tão cobiçada estatueta dourada da Academia
de Cinema na categoria de roteiro original. Assim, tanto no filme em si quanto
pela história dos bastidores o público ganha duas boas lições de vida as quais
pode e deve incorporar as suas vidas certos aspectos. Divirta-se, chore, sinta
raiva, dó e reflita. Um mix de emoções perfeitamente incorporado em um mesmo
filme não se encontra facilmente.
Um comentário:
Faz tempo que eu estou para rever esse filme! Eu o vi há muito tempo e quero ver de novo, espero fazê-lo logo. Lembro-me de que gostei muito do filme e das interpretações.
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