Existem filmes que demoram
anos para serem lançados não pelo motivo de problemas com a produção, mas
simplesmente pelo capricho de seus realizadores na ânsia de criarem um marco
cinematográfico. Stanley Kubrick é responsável por obras emblemáticas como Laranja Mecânica e passava até mesmo
anos trabalhando em cima de um mesmo projeto até que o considerasse perfeito,
mas não viveu para ver sua última criação sair do papel. Já Steven Spielberg se
acostumou a lançar filmes em curtos espaços de tempo com produções complicadas
alternando com obras mais simplórias, assim agradando as platéias que só querem
se divertir e aquelas que desejam um produto com mais conteúdo e de quebra
mantendo seu nome em evidência constantemente. Era um sonho de ambos um dia
poderem dividir os créditos de uma mesma produção, mas o falecimento de Kubrick
jogou o projeto no limbo. Ou melhor, por pouco isso mesmo aconteceu. Como forma
de homenagear o colega, o homem que tornou real as imagens de alienígenas e até
ressuscitou os dinossauros assumiu as rédeas de A.I. – Inteligência Artificial (2001),
um longa que dividiu e ainda divide as opiniões de especialistas e do público.
Kubrick sempre deixou explícito
em suas obras, de forma leve ou pesada, idéias pessimistas e apocalípticas
quanto a sociedade e o destino da humanidade. Curiosamente, partiu dele mesmo a
iniciativa de desenvolver um enredo acerca de um menino-robô dotado de emoções
que é adotado por um casal para substituir o filho verdadeiro. Baseando-se no
livro “Super Brinquedos Duram o Verão Inteiro”, de Brian Aldiss, no final dos
anos 70 o cineasta tinha acordado que faria o roteiro, mas entregaria o cargo
de diretor à Spielberg que na época já demonstrava uma habilidade ímpar para
lidar com efeitos especiais sem que eles se sobressaíssem a emoção. O problema
é que a tecnologia disponível na época não permitia as criações tanto de
ambientes quanto de personagens cogitadas. As conversas foram retomadas em 1994
após o estrondoso êxito de Jurassic Park
revolucionando o campo tecnológico. Nada mais parecia impossível. Até 1999,
Kubrick estava envolvido com De Olhos Bem
Fechados, tumultuada produção que parecia nunca ter fim e que teve cenas
reescritas e refilmadas à exaustão. Só com a conclusão é que o cineasta se
voltaria ao antigo sonho e desta vez convencido pelo próprio Spielberg a
sentar-se na cadeira de diretor. Com o falecimento do entusiasta da produção,
tudo voltou a estava zero até que o criador de clássicos como Tubarão e A Lista de Schindler resolveu escrever ele próprio o roteiro
baseado nas lembranças de conversas que teve com o amigo ao mesmo tempo em que
assumiu a câmera.
O fato de Spielberg ser o
responsável pelo roteiro final é um dos pontos de discussão. Muitos dizem que
nas mãos de Kubrick o filme seria completamente diferente. Embora com um texto
correto, linear e com doses generosas de emoção e conteúdo crítico, a discórdia
fica por conta do ar inocente que a produção ganhou quando era esperado algo
mais apocalíptico e analítico, afinal o pessoal do marketing fez questão (e com
razão) de manter o nome dos dois cineastas de prestígio em destaque nos
materiais publicitários. A premissa de ambos seria a mesma. Na metade do século
21, boa parte das cidades litorâneas do planeta está parcialmente submersas,
reação ao efeito estufa. Em prédios bem acima da superfície moram as famílias
que se salvaram do desastre ambiental, todas usufruindo dos benefícios dos
avanços tecnológicos. Um destes núcleos é formado pelo casal Monica (Frances
O’Connor) e Henry Swinton (Sam Robards) que sofrem com o estado de coma do
filho Martin (Jake Thomas). Eles esperam uma cura para a sua doença deixando-o
praticamente congelado e não podem tentar ter outro filho devido ao controle de
natalidade em vigor. Henry então procura o professor Hobby (William Hurt) a
procura de algo inusitado: uma criança-robô para suprir a falta de seu filho.
Assim, David (Haley Joel Osment) entra nesta família e com algumas palavras
pré-determinadas um código irreversível é ativado para lhe dar uma vida quase
humana.
Projetado para amar
incondicionalmente, com direito a expressões faciais de emoção, o novo membro
do clã sofre inicialmente a rejeição da mãe, mas conforme o tempo passa a
relação entre eles é estabilizada. Porém, algo mais a frente acontece e David
precisa ser devolvido à fábrica onde certamente seria destruído. Monica então o
abandona em uma floresta na pretensão de salvá-lo, mas o destino do robozinho
não será nada feliz. Em busca da Fada
Azul, a mesma da história de Pinóquio, o garoto parte em uma jornada para
tentar realizar seu único objetivo: tornar-se um menino de verdade para agradar
sua mãe, já que ele acredita que ela não gostava dele por ele ser um robô. Nesta
epopéia ele ganha a companhia de Joe (Jude Law), criado para aparentar ser um
jovem humano e utilizado como gigolô, um personagem interessante visualmente,
mas que foi pouco aproveitado para não comprometer a pureza da história. Porém,
ele também não está a salvo mesmo no mundo habitado pelos cibernéticos
rejeitados. Como o longa é literalmente longo (aproximadamente duas horas e
vinte minutos), podemos chegar ao término com a sensação de que também vimos
dois finais diferentes brilhantemente amarrados. Não cabe estragar a surpresa,
mas um é bem crível e realista, talvez a conclusão dos sonhos de Kubrick. A
outra é claramente emotiva e fantasiosa para deixar qualquer um de coração
mole, uma opção de Spielberg para dar algumas respostas desnecessárias aos
espectadores. Quem espera ver uma super ficção científica a esta altura já está
arrancando os cabelos de impaciência, mas para aqueles que curtem emoção
genuína na tela, esta opção é inesquecível.
É muito difícil escrever
sobre A. I. – Inteligência Artificial simplesmente porque ele é um
produto único e marcante e nestas condições oferece muitos aspectos a serem
observados, sejam eles positivos ou negativos. Podemos dividir a obra em
diversos atos, mas é impressionante a naturalidade com a qual a narrativa
transita entre os gêneros drama e ficção, prevalecendo em nossas memórias as
lembranças do primeiro. É impossível não se emocionar com Osment em um papel
infinitamente superior a sua estréia em O
Sexto Sentido e ao chegarmos aos créditos finais pensarmos em questões
éticas, familiares, sociais e emocionais. É estranho observar que o tempo
passa, já se passaram dez anos desde o seu lançamento, e esta obra-prima do
cinema ainda não adquiriu o status que merece. Criativo, inteligente, racional
e emotivo, este é sem dúvida um dos melhores filmes da primeira década do
século 21 e merece ser visto por novas platéias e por aqueles que na época não
se interessaram. Ah, você assistiu e detestou, não indicaria ao seu pior
inimigo, mas enche a boca para dizer que Blade
Runner e outros tantos títulos festejados pela crítica são também seus
preferidos? Favor, não se auto-intitule
cinéfilo de carteirinha.
2 comentários:
Assisti ao filme no cinema e tenho que assumir: AMEI O RESULTADO COMO UM TODO.
Porém...os minutos finais, bem estilo Spielberg e não Kubrick não me agradaram em nada. Existem coisas que não precisam ser ditas ou explicadas na arte.
Se não fosse o finalzinho....seria um filme nota 11......na minha visão.
Vi faz tanto tempo, não uma vez só, que não me lembro. Mas lembro que havia algo no filme cujo resultado me agradou muito, mas parece que seria ainda mais impressionante fossem as mãos de Kubrik nessa direção.
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