Muitos contos clássicos infantis já ganharam tantas versões cinematográficas, teatrais, televisivas e até mesmo em livros que hoje fica difícil saber quais são as verdadeiras e isso também aguça a curiosidade para saber qual o fundamento delas. A dica de hoje é uma emocionante história inspirada em fatos reais que consegue fazer o espectador soltar a sua imaginação ao mesmo tempo em que se mantém na realidade. Esse jogo de mesclar fantasia e vida real é perfeito para Em Busca da Terra do Nunca (2004), uma obra com potencial para agradar e emocionar pessoas de todas as idades. O título foi um dos mais cotados das premiações daquela época, mas sua sensibilidade e criatividade não foram suficientes para derrotar a onda de reconhecimento à obras com conteúdos mais fortes e realistas que imperava. Uma pena. Se fosse produzido anos antes poderia ter sido super premiado, pois agrega todos os ingredientes necessários para levar o público às lágrimas e a sonhar, além de contar com uma parte técnica de primeira. Um prato cheio para as festas do Oscar de antigamente.A inspiração para criar obras de cunho cultural pode vir dos lugares mais inesperados. Para o escritor de peças teatrais James M. Barrie (Johnny Depp), que está enfrentando dificuldades com seu trabalho mais recente que não foi bem recebido tanto pelo público quanto pela crítica, a vontade de escrever surge num despretencioso passeio pelo parque. Lá ele conhece a jovem viúva Sylvia Davies (Kate Winslet) e seus quatro filhos, entre os quais lhe chama a atenção o pequeno Peter (Freddie Highmore), muito maduro e resistente para entrar no mundo de magia e inocência pertinente a qualquer menino de sua idade. Assim, a mente do autor se abre e renasce a esperança no coração de um homem adulto fisicamente, mas sentimentalmente desejando não precisar crescer jamais. Então inicia-se uma grande e pura amizade entre todos eles, até porque os garotos passam a ver o adulto brincalhão como um substituto à figura paterna que perderam, mas a relação de Barrie, que é casado, com essa família passa a ser questionada pela sociedade elitista e conservadora da década de 1920. Mesmo assim, o rapaz continua se divertindo com as crianças aparentemente felizes, mas no fundo amarguradas, e também tenta a ajudar a mãe delas a enfrentar um grave problema de saúde. Em meio a tudo isso, baseado no cotidiano destas pessoas, sua imaginação aflora e ele consegue escrever uma das maiores obras da literatura infantil: "Peter Pan".
A mistura de magia e drama nesta obra é perfeita e presenteia o espectador com belíssimas sequências, principalmente as que Barrie brinca com as crianças. A ação então é transportada para cenários imaginários com direito a figurinos de piratas, índios e nobres. Graças a essas partes, o longa ganha vigor e não descamba para uma história triste comum e repleta de clichês, ainda que eles existam em grandes quantidades e objetivo do roteiro seja realmente provocar muitas lágrimas, mas nada que comprometa a produção. Qualquer pessoa sensível ou adepta a acompanhar histórias humanas deve ter a atenção fisgada logo nos primeiros minutos de filme. Os cenários e figurinos, ricos em detalhes, adornam esse espetáculo de ternura e a fotografia e a trilha sonora completam o show. Todos esses elementos se fundem com perfeição na sequência de apresentação da famosa Terra do Nunca que causa arrepios e emoções inexplicáveis. Não dá para definir se o sentimento é de alegria em ver tal fantasia tornar-se realidade ou de tristeza devido a situação da personagem feminina principal da trama e até mesmo das crianças.
O grande destaque no campo de atuações fica por conta de Johnny Depp e do garotinho Freddie Highmore, dobradinha que depois repetiram em A Fantástica Fábrica de Chocolate. O ator queridinho do cineasta Tim Burton aparece aqui praticamente todo o tempo de cara livre e sem trejeitos. Não é considerada sua melhor atuação por parte do público, mas certamente para ele deve ter sido um papel difícil de fazer, já que está acostumado a vestir fantasias, usar maquiagens e interpretar tipos excêntricos. Contido, mas ainda com seus momentos para fazer caretas e usar seus talentos vocais e de expressões, pode-se considerar que ele intrepreta diversos personagens aqui. Já o garotinho emociona com seu olhar meio e promete ter um belo futuro na carreira. As conversas entre os dois não parecem de um adulto e uma criança, já que Barrie nunca deixou de ser uma criança no espírito e também porque o sentimento de perda os aproxima. O escritor perdeu seu irmão na infância e compartilha a mesma dor que seu novo amigo tem. Já a sempre bem avaliada Kate Winslet apresenta uma intrepretação correta, mas longe de excepcional, assim como os veteranos Dustin Hoffman e Julie Christie. Ele surge no papel do financiador e incentivador do trabalho de Barrie não passa de um coadjuvante de luxo, enquanto ela vive a avó das crianças, uma ranzinza mulher que inspirou a criação do Capitão Gancho, o inimigo de Peter Pan. Seus aplausos e expressão de surpresa ao conhecer a Terra do Nunca redimem sua personagem de qualquer punição por parte dos espectadores.
Curiosamente, esta obra tão delicada foi dirigida por Marc Forster, escolhido após a projeção que teve com o difícil e amargo A Última Ceia. Depois de comandar um trabalho rígido e para poucos paladares, o cineasta mergulhou na fantasia, mas ainda deixou um pé na realidade. Soube brincar e falar sério com uma história até certo ponto verídica, mas que precisou de alguns ajustes para alcançar seus objetivos, como omitir o fato que o pai das crianças conviveu com o próprio Barrie e chegou a assistir a primeira versão teatral de "Peter Pan". Tudo em nome da arte. Hollywood brincou de faz-de-conta literalmente e a obra tem o mérito de não descambar para a exploração da polêmica de um adulto convivendo intimamente com menores, caminho que destruiria todo charme, beleza e lirismo da produção. Rebuscado, chato, piegas e manipulador, sim também existem aquelas pessoas que podem achar isso, mas a explicação só pode estar em um passado triste e traumático assim como o do protagonista. Porém, siga o caminho dele e embarque na fantasia para reviver ou finalmente viver a sua infância. Em Busca da Terra do Nunca é uma excelente opção para assistir com toda a família, não só hoje, mas um título para ficar na memória para sempre. E não se envergonhe se no fim não conseguir segurar as lágrimas.


Um comentário:
Sempre deixei esse filme para depois, apesar de ser fã dos protagonistas. Mas, seu texto, ao dizer que o roteiro mistura magia e drama me "obrigou" a ver a obra.
Valeu pela dica.
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