Desde
que Toy Story estreou na temporada de
férias de 1995/96 o cinema de animação jamais voltou a ser o mesmo e a Disney
que estava colhendo os louros da parceria para a distribuição dos longas da
Pixar passou a ver ano após ano as bilheterias de seus desenhos tradicionais
não corresponderem as expectativas até que chegou um momento em que o estúdio
decidiu abandonar as produções do tipo e apostar somente em tecnologia de
ponta. A tendência seria intensificada quando as duas empresas finalmente se
uniram para a produção de longas metragens, porém, foi o próprio John Lasseter,
o diretor que deu o pontapé inicial na onda de desenhos digitais e com roteiro
pra lá de inteligentes, que insistiu para que fosse retomado o setor de animação
2D da casa do Mickey Mouse, assim como a exploração dos contos de fadas. A
Princesa e o Sapo (2009) marca esse retorno às origens contando com
todos os elementos que consagraram tanto o gênero quanto sua técnica de
realização, contudo, o projeto foi recebido com ressalva por crítica e público
e as opiniões são bem divididas. Para muitos tal filme representou um
retrocesso na trajetória das animações, mas isso é puro preconceito ou
ignorância provocada pela atual cultura do imediatismo ou da ostentação da
tecnologia.
Em pleno
século 21, é curioso que ainda as questões sobre racismo se mantenham tanto em
evidência a ponto de gerar na época do lançamento deste desenho muita
expectativa a respeito de como seria a primeira princesa negra da Disney, uma
escolha não apenas para trazer uma publicidade extra ao projeto, mas também
para satisfazer um antigo sonho do estúdio. Todavia, as questões raciais não
ficam em primeiro plano vista que a trama se passa na efervescente cidade de Nova
Orleans que em plena década de 1920 já apresentava um intenso movimento de
mistura de raças, tanto que logo na sequência inicial temos duas garotinhas,
uma negra e outra branca, se divertindo juntas ouvindo histórias de princesas. Uma delas é Tiana, que no futuro se torna uma
moça independente, corajosa, atraente, mas que não pensa em se casar. Seu
grande sonho na realidade é poder ter seu próprio negócio, um restaurante como
seu falecido pai também gostaria de ter tido, porém, mesmo se esforçando em
dois empregos para conseguir dinheiro para poder finalmente realizar seu desejo
parece que cada vez mais ele está distante de ser concretizado. Suas esperanças
renascem quando sua grande amiga de infância, Charlotte LaBouff, a outra
garotinha da introdução, a convida para fazer o jantar de uma festa que está
organizando para tentar conquistar o amor do príncipe Naveen que acaba de
chegar à cidade.
Durante
a festa, um imprevisto faz com que Tiana tenha que trocar de roupas e pegar
emprestado um dos vestidos de Charlotte. É nesse momento que surge um sapo
anunciando ser o príncipe Naveen e pedindo à jovem que lhe conceda um beijo
para que o feitiço do ganancioso bruxo conhecido como Dr. Facilier se quebre e
assim ele possa recobrar sua condição humana. Inicialmente ela acha a ideia
repugnante, mas aceita ao receber a promessa de que ele a recompensaria
conseguindo toda a quantia que falta para que ela possa abrir seu restaurante.
Porém, o efeito do beijo é desastroso. Além de o príncipe continuar sendo um
sapo, Tiana também foi transformada em uma rã. O beijo não deu certo porque a
jovem não é uma princesa, foi Naveen que a confundiu por causa dos trajes finos
que usava. Agora, para voltarem ao normal, eles partem juntos numa grande
aventura em busca de Mama Odie, uma velha feiticeira que pode ter a solução.
Nessa trajetória, os dois anfíbios contam com a ajuda do apaixonado vaga-lume
Ray e do jacaré-trompetista Louis que sonha em um dia poder tocar com os
humanos. Enquanto isso, um serviçal de Facilier toma as formas e as feições do
corpo de Naveen para conquistar Charlotte de olho na fortuna que ela herdará de
seu milionário pai. Os diretores Ron Clements e John Musker, também coautores
do roteiro, criaram uma história com duas boas tramas a serem desenvolvidas
paralelamente, mas o excesso de personagens é prejudicial. A tão comentada
protagonista negra fica apagadinha diante da animação de sua colega branca (sem
trocadilhos com qualquer ideia racista) e para variar o bruxo vodu honra a vaga
de vilão e deve fazer parte da lista de tipos mais marcantes dos desenhos
Disney.
É bem
interessante que apesar de ostentar o título do conto clássico escrito pelos
irmãos Grimm, algumas adaptações bem-vindas foram feitas, a começar pela
mudança do tradicional beijo dos protagonistas. A sequência que geralmente
fecha os contos de fadas aqui funciona como um gancho para dar continuidade à
narrativa. Outra coisa que chama a atenção é que propositalmente ou não esta
produção está repleta de elementos que nos remetem a outros clássicos Disney. O
vilão lembra um pouco tanto fisicamente quanto no caráter o Jafar de Aladdin, o grande inimigo do jovem herói
das arábias. Os animais que surgem quando os protagonistas estão no pântano e o
próprio lugar em si fazem alusão à Bernardo
e Bianca. A minuciosa reconstituição de época lembra a mesma feita para O Corcunda de Notre Dame. Por fim, os
traços angulados dos personagens nos lembram aos riscados de Hércules. E claro que não se pode deixar
de mencionar a parte musical do longa, outra característica marcantes das obras
Disney. Usando como inspiração principalmente o jazz e o blues, a trilha é
repleta de canções animadas e bem escritas, um ponto a favor da produção que
embora massacrada por muitos não é ruim, todavia também não é totalmente
perfeita. O que mais impacta negativamente alguns é que em meio a tantas
animações computadorizadas hoje em dia este trabalho fica parecendo um estranho
no ninho mesmo carregando todas as características primordiais do gênero.
O
público se acostumou com piadas sarcásticas e críticas mesmo em produções que
visam o público infantil e assim hoje em dia uma simpática e ingênua história
envolvendo uma princesa já não é o bastante para prender a atenção das massas,
até mesmo das crianças pequenas que estão cada vez mais influenciáveis e infelizmente
já optam por uma bela imagem em detrimento ao conteúdo na hora de definir o que
é bom ou ruim. Pode apostar que muitas críticas negativas a este trabalho são
provenientes de pessoas que nem chegaram a assisti-lo, simplesmente tiraram
conclusões precipitadas fazendo comparações com as animações mais modernas,
principalmente as produzidas pela própria Pixar. Será que alguém percebeu que a
mocinha da vez não é uma frágil e romântica donzela? Que o príncipe não é
valente e também nada romântico, apenas malandro e folgado? Que a amizade de
Tiana e Charlotte não tem sequer um resquício de rancor do racismo, sendo uma
relação de igual para igual? Realmente, A Princesa e o Sapo não merece o
desprezo que sofreu e ainda sofre. Há muitos pontos positivos a serem considerados,
o colorido e os traços são de encher os olhos e a trilha sonora é contagiante.
Pode não ter um enredo fantástico e nem contar com uma sequência impactante,
mas traz em sua essência um irresistível gostinho de nostalgia da infância. Só
por isso já vale uma conferida.
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