Quem nunca sentiu um calafrio ao
passar pelas redondezas de uma casa abandonada ou uma construção distante em
meio a um matagal? Hollywood sempre gostou de explorar o filão das residências
assombradas, mas nos últimos anos esse tipo de produção acabou perdendo seu
charme ao ter que dividir seu público com as fitas de seriais killers ou de
exorcismos, ou seja, precisaram se adaptar aos novos tempos e apostar em sustos
fáceis, escatologia, erotismo e muito sangue para agradar. Só por fugir deste
esquema batido já vale a pena dar uma conferida em A Mulher de Preto (2011),
um dos principais projetos da produtora Hammer que retomou suas atividades em
2007. Para quem nunca ouviu falar dela, basta dizer que a empresa praticamente
moldou um subgênero do terror principalmente nos anos 70 ressuscitando Drácula,
Frankenstein, Múmia e outras criaturas horripilantes clássicas ou que tinham
ligações com esses monstros famosos, geralmente tendo os atores Christopher Lee
e Peter Cushing encabeçando as produções. Hoje quem consegue assistir pelo
menos uma dessas pérolas do terror de antigamente pode tanto achar que está
diante de uma maravilha do cinema quanto também considerar uma verdadeira obra
trash, mas o fato é que não se pode negar a importância do estúdio em
determinada época para a História da sétima arte.
Tentando resgatar um pouco da
áurea dos filmes de terror clássicos, mas ainda visando faturar alto com as
novas gerações, o diretor James Watkins, roteirista de Abismo do Medo 2, conta uma história levemente baseada no tema
espiritismo protagonizada por Daniel Radcliffe, o eterno Harry Potter que agora
com o fim da série de filmes do bruxinho precisa se dedicar ao máximo para
provar que pode assumir novos papéis e bem mais maduros. Embora ainda continue com
um pé na fantasia neste caso, o jovem ator se esforça para convencer o público
com um personagem que já é pai de uma criança pequena e que ainda sofre com a
morte precoce de sua esposa. Ele vive Arthur Kipps, um advogado que foi enviado
por seu escritório para regularizar os documentos de uma mansão cujo dono
recentemente faleceu e que fica próximo a um vilarejo inglês no qual algumas
crianças estão sofrendo mortes misteriosas de tempos em tempos. O rapaz chega
ao local sem saber de tais boatos, mas quando começa a ter uma série de visões
misteriosas enquanto executa seu trabalho, incluindo as constantes aparições de
uma mulher vestida totalmente com roupas pretas, ele descobre que existe algo
relacionada entre a tal mansão e as mortes repentinas das crianças. Ele decide
investigar estes casos com a ajuda de seu amigo Samuel Daily (Ciarán Hinds),
outro cético quanto ao espiritismo, mas acaba provocando a ira dos moradores e
alguns novos falecimentos ocorrem. Suas preocupações aumentam quando seu
pequeno filho também chega ao vilarejo sem saber que corre risco de vida
estando lá.
Baseado no livro “Woman in
Black”, escrito por Susan Hill, romance já adaptado para os cinemas em um filme
homônimo de 1989, o roteiro de Jane Goldman, que escreveu a aventura X-Men: Primeira Classe, consegue prender
a atenção mesmo lançando mão de praticamente todos os clichês do gênero. Com
uma trama enxuta e eficiente, o grande chamariz desta produção sem dúvida é o
clima apresentado que rapidamente envolve o espectador. As equipes de direção
de arte e de fotografia capricharam para construir uma ambientação que exala
mistério, parecendo que a qualquer momento algo inesperado pode acontecer entre
as vielas da vila, nos corredores da mansão ou até mesmo nas regiões campestres
que envolvem o vilarejo que sempre é acometido por um clima nebuloso, um
ambiente perfeito para ser palco de uma boa história de fantasmas. Dos cenários
aos figurinos e passando obviamente pela iluminação, a grande característica
visual desta obra é a ausência quase total de cores vivas, predominando os tons
acinzentados para acentuar o tom melancólico do local ou até mesmo como uma
estratégia para fazer uma alusão ao estilo gótico tão presente nas produções do
passado da Hammer. É interessante que a história se passa no início do século
20, mas a atmosfera apresentada deixa claro que a tal cidade assombrada parou
no tempo, muito por conta de sua própria população provinciana repleta de tipos
esquisitos ou misteriosos. Esta estagnação social obviamente tem algo a ver com
a secular mansão e com as aparições da mulher vestida de negro.
Como já dito, o longa não tenta
esconder que recicla clichês e procura resgatar o espírito dos filmes de terror
mais clássicos, tanto que o bom gancho do conflito interno do protagonista em
acreditar ou não na maldição da tal mulher de preto não é bem desenvolvido,
certamente algo que acaba por enfraquecer o personagem de Radcliffe que
inicialmente pode parecer deslocado no papel, mas quando os sustos começam a
surgir já está bem adaptado. Se optaram por limar os conflitos psicológicos do
enredo o jeito foi recorrer ao batido tema do choque de classes ou de cultura
para dar sustentação ao longa. O Sr. Kipps, como educadamente o jovem é
chamado, representa o homem da cidade grande. Vindo de Londres, ele é culto,
parece ter uma vida financeira confortável e é cético quanto as crendices
populares do vilarejo, um local habitado por pessoas mais simples e menos
instruídas. Só que a razão não triunfa sob a emoção. É previsível que o medo do
povo tem fundamentos e que uma hora atingirá o advogado, se não fosse assim e
concluído com uma reviravolta mais racional o longa não atingiria seus
objetivos plenamente, tornando-se uma obra mais para intelectuais e distante
dos populares. Aliás, certamente este filme só ganhou projeção por já ter sido
estrategicamente pensado para conquistas as massas, caso contrário seria mais
um a ir direto para as locadoras e em breve ser esquecido nas prateleiras como
tantos outros do tipo.
Embora Radcliffe carregue o filme
nas costas sendo exigido em quase todas as cenas, ele também pode ser o
calcanhar de Aquiles da produção, visto que seu nome em destaque certamente
deve causar repulsa por alguns que podem não apostar no talento do ator. Não
tire conclusões precipitadas. É louvável seu esforço e na realidade esta obra
não depende tanto de seu protagonista e nem mesmo da tal mulher do título. Os
grandes personagens desta adaptação são a própria mansão e a cidade nas quais a
trama se desenvolve. O diretor pode não ter inovado nos sustos, cedendo
inclusive a tentação dos efeitos sonoros mais incisivos antevendo situações e anulando
assim qualquer surpresa para o espectador, mas a forma como ele explorou os
detalhes dos cenários são dignos de elogios. Sua câmera passeia pelos
interiores da mansão dando a nítida impressão do isolamento no qual o
protagonista se encontra e até quando ele está em áreas abertas a sensação de
vazio se faz presente. É como se cada imagem tivesse muito mais a falar do que os
próprios diálogos, algo que aproxima esta produção ainda mais das tradições do
cinema europeu, inclusive lembrando em alguns momentos a atmosfera do elogiado O Orfanato, suspense que também
concentra sua ação praticamente toda dentro de uma residência. Em síntese, Watkins
optou por mais insinuar do que mostrar, afinal não há nada mais horripilante do
que sentir medo do que não podemos ver ou tocar e é justamente nessa escolha
que a maioria dos produtos do gênero escorrega preferindo escancarar o
sobrenatural obtendo um resultado artificial ou até mesmo ridículo. Ainda bem
que aqui essa maldição passa longe. Infelizmente A Mulher de Preto não fez
grande sucesso quando lançado nos cinemas, mas merece uma segunda chance no
aconchego do lar, tornando-se uma ótima opção para curtir nos fins de noite
chuvosos tão típicos do verão.
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