Você acha que a
Hollywood atual está sofrendo uma crise de criatividade? Bem, no final da
década de 1990 as coisas não eram diferentes, mas um estranho fenômeno
acontecia. Ficamos sabendo definitivamente que as coincidências existem sim ou
na pior das hipóteses que a espionagem cinematográfica é um fato consumado.
Tentando inovar com projetos grandiosos ou originais, alguns estúdios acabaram
sendo surpreendidos por projetos muito semelhantes lançados por seus
concorrentes em período muito próximo. Entre estas felizes ou infelizes
coincidências, dependendo do ponto de vista, surgiram dois filmes que se
arriscaram a tratar de um tema na época ainda muito enraizado na cultura
americana e praticamente desconhecido no resto do mundo: os realities shows. Ed TV
(1999) é um deles.
A história começa mostrando a disputa de duas pessoas influentes de um
canal de TV que estão tentando emplacar um novo programa que possa tirar a
empresa do ostracismo. A produtora Cynthia Topping (Ellen DeGeneres) cria
uma atração revolucionária para manter a atenção dos espectadores:
acompanhar diariamente o cotidiano de um cidadão comum e apresentar tudo o que
ele faz durante as 24 horas em horário nobre. O candidato escolhido é Ed
Pekurney (Matthew McConaughey), um trintão solteiro que ainda vive com a
família e é atendente em uma locadora de vídeo, perfil perfeito para retratar o
sonho de qualquer pessoa: o cidadão comum que cresce na vida sem precisar fazer
esforço algum, apenas curtindo seus quinze minutos de fama. A princípio ele
curte intensamente seu sucesso, mas logo essa fama repentina torna a vida de Ed
uma chatice. Conforme o tempo passa, o reality show começa a sofrer
intervenções dos produtores que acabam atrapalhando a vida de protagonista,
principalmente quando seus familiares esquecem que estão diante das câmeras a
todo momento e começam a falar e a fazer o que não deviam.
Comprovando a
crise de idéias no cinema no final do século 20, um ano antes O Show de Truman conquistou elogios e
fama graças a um roteiro inovador e visionário e claro por contar com o astro
Jim Carrey pela primeira vez apostando em seu lado dramático. Tal filme até
hoje é muito lembrado e desperta curiosos, ao contrário do longa protagonizado
por McConaughey lançado poucos meses depois e que naufragou nas bilheterias
americanas e nem chegou a passar nos cinemas brasileiros. Ambas as histórias
giram em torno de um reality show, mas as semelhanças acabam por ai. No filme
de Peter Weir, Carrey é o protagonista de um programa de TV desde criança, mas
não sabia disso até a sua fase adulta. Já na produção assinada pelo diretor Ron
Howard, o personagem principal sabe muito bem no que está se metendo quando
aceita participar de um pretensioso show de realidade.
No início a idéia de acompanhar o cotidiano de um Zé ninguém não
empolga o público, mas a partir do momento em que ele se apaixona pela namorada
do irmão os índices de audiência passam a subir, ainda mais quando a produção
do programa intervém e contrata uma modelo para dar em cima do rapaz,
estratégia que aniquila a idéia do show da realidade para se transformar em um
vale-tudo pela audiência. Enfim, este filme roteirizado pelo próprio Howard
contém todos os elementos que nos anos seguintes o mundo aprendeu ou foi
coagido a compreender. Sejam celebridades ou anônimos confinados dentro de uma
casa ou com a liberdade de irem e vir para onde quiserem desde que acompanhados
de uma câmera, o fato é que o público se acostumou a acompanhar a desgraça ou a
futilidades dos outros como um verdadeiro espetáculo.
É interessante assinalar que esta comédia não é um lixo como muitos podem pensar, pelo contrário, é uma obra leve, divertida e até certo ponto crítica afinal sobram piadas até para empresas reais cujos produtos também fazem a cabeça dos populares, como a Coca-Cola. Todavia, mesmo com as melhores das intenções, Howard não conseguiu criticar a massificação de maneira integral afinal de contas algumas engrenagens da indústria cinematográfica só funcionam graças ao investimento de grandes corporações que por sua vez só podem ceder essa ajuda se o que oferecem aos consumidores for sucesso de vendas. Uma coisa puxa a outra.
Curiosamente, enquanto O Show de
Truman envelhece em boa forma e ainda sendo procurado em locadoras e para
venda, Ed TV vive no ostracismo. Mesmo quando seu diretor conquistou o
Oscar por Uma Mente Brilhante na mesma
época em que os realities shows bombavam no mundo todo não houve uma exploração
do título. Essa é uma injustiça que deveria ser corrigida. Claro que não é a
melhor comédia já feita, mas garante boas gargalhadas e deve agradar aos
fanáticos por realities shows, pois verão nada mais nada menos que uma
recriação do show de marionetes que estão acostumados a assistir pela TV nos
mais diversos formatos e idiomas. Em suma, um título que merecia ser encontrado
com mais facilidade no mercado, mas que infelizmente ao que tudo indica só pode
ser encontrado, ao menos em mídia física, garimpando-se em sebos, boas
locadoras ou torcendo para haver sobra de estoque em alguma loja de bugigangas
ou mercado.
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