Já é tradição para muitas pessoas trocar a balada dos sábados a
noite por uma boa sessão de cinema, sendo que pelo menos entre os jovens o
gênero predileto são os de terror ou suspense acerca de mistérios do além. Um
boa pedida para esse primeiro sábado de férias é O Exorcismo de Emily Rose (2005),
uma interessante mistura de horror e drama de tribunal que chegou na época do
seu lançamento a ser anunciada como um dos melhores filmes de terror dos
últimos tempos, mas ainda não alcançou o status de O Exorcista e talvez jamais chegará a tal ponto. Porém, isso de
forma alguma desmerece este trabalho assinado por Scott Derrickson, que não
tinha um currículo muito atraente acumulando o roteiro de Lenda Urbana 2 e direção de um dos episódios de Hellraiser. Bem, intimidade com o gênero
ele tem, mas prova aqui que não precisa se rebaixar a escrever tramas bobocas
para assustar adolescentes. Ele escreveu o roteiro em parceria com Paul Harris
Boardman e ambos devem ter virado noites assistindo os clássicos de terror dos
anos 70, época em que o público chegava a não dormir por várias noites após
assistir produções como A Profecia e
o já citado clássico de William Friedkin. O produto que eles criaram exala
nostalgia e veio em boa hora para suprir um mercado que na época já estava
saturado dos fantasmas dos remakes orientais e de suas próprias cópias
originais que invadiram o mundo ocidental. A recepção foi muito positiva, mas
obviamente não tão impactante como um lançamento do tipo a 30 ou 40 anos atrás.
A trama é baseada na história real da alemã Annelise Michel que
morreu em meados da década de 1970 após uma série de sessões de exorcismos que
não surtiram efeitos positivos. A estreante Jennifer Carpenter estreou na
carreira de atriz com o pé direito aceitando o difícil papel de Emily Rose, uma
jovem que deixou sua casa e família para ir estudar em uma região afastada. No
alojamento em que passa a viver certa noite ela tem uma alucinação e desmaia. O
que poderia ser um acontecimento sem importância, acaba se tornando um grande
problema na vida dela. Os surtos passam a ficar cada vez mais freqüentes e ela
volta para a casa dos pais. Muito religiosos, eles recorrem ao padre Richard
Moore (Tom Wilkinson) e todos estão certos de que a medicina nada pode fazer
para ajudar Emily já que acreditam que se trata de um caso de possessão
demoníaca. Deixando o tratamento médico de lado e aceitando se submeter ao
exorcismo, a jovem acaba falecendo e o pároco vai parar nos bancos dos réus.
Erin Bauner (Laura Linney) é a escolhida para defendê-lo, mas faz isso em nome
de interesses próprios e financeiros, já que ela mesma é cética quanto ao
assunto, porém, conforme a investigação avança suas crenças e convicções podem
mudar. Já o promotor Ethan Thomas (Campbell Scott) é religioso, mas age segundo
a razão e está disposto a provar que a intervenção do padre no caso levou ao
fim trágico.
O longa é fragmentado. O sofrimento e os ataques de Emily são
apresentados pausadamente, em flashbacks, assim o público tem a chance de ter
um respiro e esfriar os ânimos durante as cenas de tribunais, sequências que
justificam a existência deste filme. Derrickson tratou os sustos como
consequência de um enredo difícil e reflexivo. A fé e a racionalidade se
enfrentam e seus defensores invertem seus papéis dentro dos tribunais. O
advogado religioso tem a capacidade de fazer uma acusação fundamentada pela
razão, enquanto a defensora agnóstica procura reunir todos os subsídios
possíveis para alicerçar sua defesa. Em meio ao embate temos o padre convicto
de que fez o que pôde para ajudar a jovem. Enquanto clinicamente Emily é
rotulada como uma esquizofrênica e dependente de remédios, para o catolicismo
ela é mais uma caso típico de possessão demoníaca e já que a medicação não fazia
efeito a única saída seria parar com os remédios para tentar a solução pelo
exorcismo. Os dois tratamentos não poderiam ser utilizados, pois um cortaria o
efeito do outro agravando ainda mais o quadro. A força deste filme se concentra
no embate dos advogados que procuram de todas as formas defenderem seus pontos
de vistas e as cenas que reforçam essas explicações sempre são retratadas de
duas formas diferentes, deixando assim recursos para que o espectador tire suas
próprias conclusões, ainda que o longa tenha um desfecho que beneficie um dos
lados como todo caso jurídico.
Apesar de muitos jurarem que ficaram
impressionados e mal conseguiram pregar os olhos por uma ou algumas noites,
este longa deixou outros tantos espectadores decepcionados. Por causa do
título, muitos esperavam embarcar em uma montanha russa de sustos e gritos
gratuitos, mas a decepção não é totalmente justificável. Cenas apavorantes e
carregadas de tensão existem aqui em generosas, porém, espaçadas doses. O cineasta
foi habilidoso ao dar uma linha narrativa diferenciada a sua obra trabalhando
paralelamente duas histórias que estão intimamente ligadas sem deixar que o
interesse do espectador diminua de uma para a outra, ainda que a ação dentro do
tribunal ocupe boa parte das quase duas de duração. Se não fosse pela escolha
deste viés, certamente esta produção seria apenas mais uma em meio a tanto lixo
produzido em Hollywood, ainda mais que na época este tipo de filme estava em
baixa e ainda sofrendo com os estigmas negativos deixados por O Exorcista – O Início lançado cerca de
um ano antes na tentativa de resgatar a franquia. As cenas de exorcismo de
Emily certamente não assustam como a décadas atrás, mas a atmosfera criada para
seu martírio é de arrepiar a espinha, tanto que uma simples cena da garota
caminhando em meio a névoa em direção a uma árvore seca tornou-se o símbolo da
produção e até ilustra o seu material publicitário.
Dizem que mexer com assuntos do além traz mal
agouro a todos os envolvidos na produção, crença que ajudou a perpetuar a fama
de O Exorcista que realmente teve
acontecimentos estranhos em seus bastidores e até depois de lançado, como o
declínio precoce da menina endiabrada da vez vivida por Linda Blair que
alcançou o sucesso rapidamente e despencou com velocidade similar. Quanto a
obra de Derrickson não foram espalhados boatos do tipo, mas é certo que
Jennifer Carpenter também surgiu como uma atriz promissora, mas não vingou. De
qualquer forma O Exorcismo de Emily Rose cumpre seu papel de entreter e ainda
traz a tona importantes aspectos a serem discutidos. Ciência, crendices,
verdades e mentiras estão em jogo. Bulir com assuntos religiosos é quase sempre
como mexer em um vespeiro, mas o cineasta não teve medo neste caso e
desenterrou do fundo do baú uma história verídica e de arrepiar que até hoje
causa várias polêmicas, inclusive pela opção de muitos elevarem a personagem da
vida real à condição de santidade devido a sua escolha em ficar na Terra e
viver seu carma do que partir em um momento sereno. O filme mostra tal
superstição, mas não suas conseqüências que poderiam render até outro longa.
Para quem ficou curioso pela pegada mais intelectual do enredo, mas já está
roendo as unhas de medo, lembre-se que no conforto do lar temos a opção de
passar para a frente os momentos indesejáveis. Vença o medo e curta este grande
filme neste sabadão.
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